Opinião

Artigo: A erosão do ensino no Brasil

Correio Braziliense
postado em 03/02/2022 06:00
 (crédito: Caio Gomez)
(crédito: Caio Gomez)

MOZART NEVES RAMOS - Titular da Cátedra Sérgio Henrique Ferreira da Universidade de São Paulo (USP) — Ribeirão Preto e professor emérito da UFPE

Foi assim que o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) classificou o impacto da covid-19 no ensino brasileiro — tomando como referência um estudo feito na rede estadual de São Paulo, em meados de março de 2021, que revelou um retrocesso de uma década ou mais em proficiência escolar em crianças ao final do 5º ano do ensino fundamental. Em língua portuguesa, o retrocesso foi de 10 anos, mas em matemática foi ainda maior — equivalente a 14 anos.

O que mais me preocupa é que estamos falando da rede estadual de ensino de São Paulo, uma das primeiras a oferecer ensino remoto aos estudantes. Isso porque em muitas redes de ensino, especialmente as municipais localizadas nas regiões Norte e Nordeste do país, as crianças ficaram três semestres letivos sem realizar nenhuma atividade escolar. Foram milhões de crianças sem estudar. O impacto disso na vida futura delas é enorme, e possivelmente irreversível do ponto de vista social e emocional.

Não podemos mais deixar as escolas fechadas — afinal, os professores e os funcionários já estão imunizados, e boa parte dos estudantes acima dos 15 anos já tomaram ao menos a primeira dose, enquanto a vacinação avança nas crianças menores. Segundo o Unicef, 10% dos alunos jamais voltarão à escola. A ausência de uma política de conectividade digital para permitir o acesso às atividades remotas ampliou consideravelmente o drama da aprendizagem no Brasil. Passados dois anos, não fizemos praticamente nada e continuamos sem uma política clara de acesso às atividades remotas para as crianças mais vulneráveis.

O desafio que agora se coloca é multifacetado. Terá de ser uma ação articulada de governo e entre governos por unidade federativa e entre as unidades, mediante robusto programa em regime de colaboração. Para começar, é preciso que o país saiba o tamanho do fosso causado pela pandemia na aprendizagem escolar. Para isso, o Ministério da Educação, com apoio do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), precisa, ainda em fevereiro, divulgar os resultados do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) relativos aos exames realizados em 2021. Isso vai permitir um planejamento das unidades federativas — estados e municípios, com base na real situação do "estrago" provocado pela covid-19. Já se tem clareza de que a desigualdade cresceu muito em decorrência da pandemia; os impactos na aprendizagem e no abandono escolar são devastadores.

Por seu lado, acho que esse cenário pode ser também uma janela de oportunidade para mudar nossa maneira de ensinar e de aprender. É hora de inovar com base em dados e evidências. Se fizermos isso, poderemos ganhar um tempo precioso. Estamos falando de uma nova escola, de uma verdadeira metamorfose, que não mais esteja atrelada apenas ao conteudismo, mas aos conteúdos que são essenciais para a vida atual e futura dos estudantes, que os preparem de maneira autônoma para fazer escolhas com base em seus projetos de vida. Para isso, temos a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) como uma bússola efetiva, que vai nos orientar quanto às aprendizagens essenciais que todos os estudantes precisam ter ao longo de toda a educação básica.

Se ficarmos presos ao retrovisor, o desastre será inevitável, mas, se tivermos a coragem de olhar para onde aponta o farol e fazer as mudanças necessárias, talvez o Brasil tenha uma chance. Para isso, vamos precisar de líderes inovadores, buscar o que este país tem de melhor na inovação, pois sou daqueles que entendem que o Brasil precisa aprender com o Brasil. Aqui se encontra o estado do Ceará, com seu efetivo regime de colaboração e seu exitoso programa de alfabetização. E também o estado de Pernambuco, com suas escolas de ensino médio em tempo integral. Precisamos ver o que fizeram Teresina, Cururipe, Cocal dos Alves e tantos outros municípios que deram saltos relevantes na aprendizagem escolar e traçar uma política nacional que promova um desenvolvimento educacional robusto e equânime para mudar de vez a cara do Brasil. Mas, como disse, precisamos de líderes. Procuram-se líderes.

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