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Artigo: Indiferença às vidas negras

Rosane Garcia
postado em 07/02/2022 06:00
 (crédito: Reprodução/Facebook)
(crédito: Reprodução/Facebook)

O espancamento do jovem congolês Moïse, 21 anos, até a morte no Rio foi chocante. Cenas bizarras de barbárie e crueldade imperdoáveis invadiram as redes sociais e a mídia. O episódio repercutiu internacionalmente. Não fosse a mobilização da família e da Embaixada do Congo, seria mais um negro executado, algo sem importância e corriqueiro para o poder público. Apesar das imagens das câmeras de segurança, a polícia só alcançou os bandidos 10 dias depois do crime.

Não foi só esse crime que tem cor definida, que reverberou na mídia e causou revolta. Assistimos ao vídeo em que o sargento da Marinha Aurélio Alves Bezerra dispara três tiros contra Durval Teófilo Filho, 38, trabalhador negro, que chegava ao condomínio onde residia, em São Gonçalo (RJ). Ambos moravam no local.

O sargento declarou supor que o negro fosse um bandido e, por ter mexido da mochila, estaria se preparando para um assalto. Então, agiu "em legítima defesa". Mas Durval não fez nenhum gesto, revelaram as imagens, que significasse uma ameaça. Se fosse um homem branco, o militar teria feito igual ilação e sairia atirando? Obviamente, não. Mas negro é suspeito sempre.

O militar foi preso em flagrante e indiciado por homicídio culposo, quando não há intenção de matar. Mas o Ministério Público interveio e a Justiça mudou a tipificação do crime para doloso e a prisão temporária foi transformada em preventiva. Quem não tem a intenção de matar não atira contra ninguém, movido por uma suspeita.

Corpos negros, como os de Moïse e Durval, são alvo permanente do racismo. Dos 30 mil homicídios, por arma de fogo, em 2019, 78% (23.400) foram de negros. Entre os mortos, estavam cerca de 5 mil crianças na faixa de menos um a 14 anos. No mesmo período, 3.737 mulheres foram assassinadas no país, sendo 66% (2.466) negras. No ambiente doméstico, foram 1.246 feminicídios

Agredir e matar negro são atitudes banalizadas no país. A maioria das pessoas é indiferente ao aumento do número de vítimas do racismo. Elas se organizam, participam de passeatas contra os maus-tratos a animais — embora isso seja importante — e denunciam os agressores às autoridades, mas assistem placidamente ao espancamento de um jovem negro, ao esfaqueamento de uma mulher negra à luz do sol. Elegem e apoiam reconhecidos racistas — os negros também cometem este equívoco.

O poder público, por sua vez, segue indiferente ao morticínio étnico-racial, que afeta pretos, pardos e indígenas. Impõe-se aos negros a tarefa de conter a escalada de horror, diante de um Estado ausente, de parlamentares ineptos e de um Judiciário também indiferente. Entre os cerca de 800 mil encarcerados, mais de 60% são afrodescendentes, sendo que a maioria sequer foi julgada — são invisíveis à Justiça.

 

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