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Próximos passos da Justiça Militar da União e a necessária valorização da magistratura de carreira

Correio Braziliense
postado em 10/02/2022 06:00
 (crédito:  Caio Gomez/CB/D.A Press)
(crédito: Caio Gomez/CB/D.A Press)

Fernando Pessôa da Silveira Mello - Doutorando em direito pela Universidade Nove de Julho/SP, mestre em direito constitucional pelo Instituto Brasiliense de Direito Público/DF e juiz auxiliar da Presidência do Conselho Nacional de Justiça (CNJ)

A Justiça Militar da União, como sabemos, é a mais antiga do Brasil, contando, atualmente, com 214 anos, tendo sido criada em 1º de abril de 1.808, pelo alvará com força de lei expedido pelo Príncipe Regente Dom João VI, que criou o Conselho Supremo Militar e de Justiça. Ainda assim, é uma Justiça desconhecida até mesmo pelos operadores do direito, o que se mostra um verdadeiro paradoxo: ao mesmo tempo que é a Justiça mais antiga do país, é o ramo menos conhecido dos brasileiros, e cujo panorama é nosso dever transformar.

Quem conhece a história dessa Justiça tem certeza que, ao longo de toda a sua existência, a Justiça Militar demonstrou os mais importantes e indispensáveis predicados da boa e justa prestação jurisdicional: a obediência à Constituição e às leis, a imparcialidade, o bom senso e o respeito as pessoas. Vale lembrar que foi justamente no âmbito da Justiça Castrense que se reconheceu, de forma pioneira na história do Poder Judiciário brasileiro, a possibilidade de concessão de liminar em habeas corpus, em 31 de agosto de 1964, pelo almirante de esquadra José Espíndola, durante o regime militar.

É também necessário reconhecer que, nos últimos anos, houve grande e profunda modernização desse ramo especializado do Poder Judiciário Federal, em especial com as leis nº 13.491/2017 e nº 3.774/2018. A primeira, ao ampliar a competência penal, e a segunda, ao fixar a competência monocrática do juiz federal da Justiça Militar para processar e julgar civis e militares em coautoria com civis e determinou a prerrogativa desses juízes civis togados para presidir os Conselhos de Justiça.

No entanto, ainda há muito mais por vir. Isso porque, em passo contínuo, imperiosa a ampliação da competência da Justiça Militar da União para julgar as ações judiciais que tratem de infrações disciplinares e matéria administrativa, previstas no art. 142, parágrafo 3º, X, da CF/88, bem como a inserção de um ministro e um juiz federal da Justiça Militar na composição do Conselho de Nacional de Justiça, objeto da PEC 21/2014, que corrigirá o silencioso esquecimento da EC 45/2004 e reposicionará essa Justiça na representatividade do Poder Judiciário Nacional em simetria com a matriz do Constituinte de 1988, ampliando a transparência e o próprio desempenho da atividade jurisdicional.

Uma rápida leitura do art. 103-B da Constituição Federal, nos permite concluir que no mencionado Conselho há ampla representação institucional, valendo destacar que a magistratura nacional faz-se representada por vários ramos e por diferentes instâncias: Justiça Federal Comum, Justiça Estadual Comum e Justiça do Trabalho, em um total de nove magistrados, pendentes, apenas, magistrados da Justiça Militar.

É uma lacuna lógica e sistêmica que demanda a reforma constitucional para que sejam respeitadas as especificidades e particularidades existentes na Justiça Castrense, jurisdição altamente especializada. A composição plural do Conselho Nacional de Justiça não deve revestir-se de caráter seletivo, pelo contrário: deve ir além, ser efetiva e real.

Ainda no patamar constitucional, vale a reflexão acerca do aumento da representatividade da magistratura de carreira no âmbito do Superior Tribunal Militar: apenas um ministro oriundo da carreira da magistratura, ou seja, apenas 7,5% da Corte Superior Castrense, em total descompasso com os demais Tribunais brasileiros, tanto com os Superiores como com os de Segundo Grau.

A falta de representatividade da magistratura militar na estrutura da Justiça Militar da União, além de não encontrar paralelo em qualquer outro tribunal ou ramo do Poder Judiciário, não se coaduna com a prestação jurisdicional contemporânea após mais de 30 anos de vigência da Constituição de 1988, cuja vontade soberana do povo foi a de fortalecer as instituições de salvaguarda da democracia, entre elas, o Poder Judiciário, o que se dá, entre outras medidas, pela ampliação de assentos de magistrados de carreira nos tribunais do país.

Não há qualquer crítica ao sistema do escabinato, pelo contrário: reconhece-se expressamente a imperiosa qualidade e indispensabilidade do conhecimento da caserna advindo dos juízes militares nos Conselhos de Justiça e dos ministros militares no âmbito do Superior Tribunal Militar (STM), o que se deve pensar, para o futuro, é prestigiar a experiência adquirida com a condução da própria ação penal militar, a colheita direta da prova e a sensibilidade humana, muito mais importante que o conhecimento técnico, adquirido com centenas ou até milhares de audiências realizadas pelo magistrado de carreira.

Deve-se reconhecer que ainda há muito por avançar. Este fato, como ressaltado, não deve obscurecer os progressos já alcançados e em permanente transformação. A evolução passa pela pluralidade, pois a pluralidade de pensamento nos forja e a harmonia nos fortalece. Lembro Voltaire: posso não concordar com nenhuma das palavras que você disser, mas defenderei até a morte o direito de você dizê-las.

É chegada a hora de mudança de perspectiva. E, se preciso, empurraremos a história. Como escreveu o poeta espanhol Antônio Machado, "caminhante, não há caminho, o caminho se faz ao caminhar". E, para a construção do caminho do Judiciário, o debate é mais do que bem-vindo. É fundamental.

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