Otan e o protagonismo da guerra

Correio Braziliense
postado em 17/03/2022 00:01

Tão perigoso quanto os estrondos provocados pelas bombas que não param de cair sobre as cidades na Ucrânia é o silêncio com que são desenvolvidas as tratativas para uma possível arregimentação de tropas do Ocidente, liderados pela Organização do Tratatado do Atlântico Norte (Otan), para fazer frente ao exército de Putin. Perigoso também é observar a entrada sorrateira da China nesse conflito, por meio de fornecimento, por debaixo dos panos, de suplementos bélicos para os russos. Há no ar, apesar da guerra declarada e ao vivo da Rússia contra a Ucrânia, toda uma movimentação de bastidores, ou rearrumação do tabuleiro estratégico, para o início de um grande conflito, capaz de envolver outros protagonistas, o que pode, facilmente, levar a todos para o ambiente de areia movediça impensável.

E o que esse conflito tem haver conosco? É uma questão que, pelas proporções que o evento pode adquirir e já provoca, no caso dos fertilizantes e no aumento nos preços do petróleo falam por si. No caso de um conflito generalizado, acreditem, não existirá lugar seguro para se proteger de seus efeitos. Sabe-se que o Brasil, além de não ter um poderio armado necessário para suprir as exigências de um país continental como o nosso, não conta também com abrigos subterrâneos em concreto armado, necessários para uma eventual guerra dessa magnitude. Estamos a pé e descalços nessa tempestade que se anuncia.

Das milhares de análises feitas por especialistas que realmente têm a dizer sobre o conflito na Ucrânia, poucos, ou quase nenhum, trouxeram uma clareza luminar e realista como a professor John Maersheimer, da Universidade de Chicago, disponível nas mídias mundiais. Em sua avaliação, a Ucrânia perdeu, definitivamente, a Crimeia e o Donbass. A questão que importa é saber se aquele país vai perder ainda mais território para a Rússia, principalmente as terras ao Leste do país. Por outro lado, todos sabem que a economia ucraniana está destruída, com suas principais cidades em processo de se tornarem ruínas.

Com isso, a economia mundial será também afetada, o que trará consequências para todas as democracias do globo. Esses eventos ainda diminuirão a influência americana tanto na Europa quanto na China, onde, segundo o professor Maersheimer, deveriam se concentrar todas as atenções do governo dos Estados Unidos. Além desse cenário de crise, as movimentações políticas do Ocidente empurram a Rússia diretamente para o colo dos chineses. Como se não bastasse, a Otan, com os Estados Unidos e a Europa Ocidental, está, sem perceber, transformando o leste do continente europeu numa região de instabilidades perigosas, o que força a presença do Ocidente nessas áreas, antes sob influência da Rússia.

Trata-se, como afirma o professor, de uma situação desastrosa para todos. Aqui, entra a questão básica: quem provocou toda essa instabilidade, desde o início. Ao contrário da voz corrente no Ocidente, que debita toda a responsabilidade por essa guerra aos russos e diretamente a Putin, o professor da Universidade de Chicago ressalta que a principal responsabilidade por toda essa crise armada cabe, principalmente, ao Ocidente e ao seu modelo de política internacional.

A crise, acrescenta ele, teria começado em abril de 2006, com a perspectiva de fazer a Ucrânia e a Geórgia membros efetivos da Otan "a todo o custo". Na ocasião, os russos alertaram o mundo que essa seria uma situação inaceitável e que esses países não seriam, jamais, parte da Otan. Outra análise a ser considerada é a do linguista e filósofo americano Noam Chomsky. Para ele, os acontecimentos na Ucrânia se devem à expansão da Otan sobre áreas que seriam de influência da Rússia.

Segundo ele, mesmo que Putin fosse uma espécie de Ghandi russo, a situação de guerra seria a mesma. Para Chomsky, a Otan não deveria continuar a existir depois de 1990, quando o império soviético deixou de existir. A Guerra Fria estava sepultada e a Otan havia perdido seu sentido estratégico. Contrariando o bom senso, a Otan não só continuou a existir, como se expandiu para próximo a Moscou, mudando seu objetivo de defesa para o de controle da energia do mundo, por meio do monitoramento das rotas e dutos de óleo e gás marítimas.

Nesse sentido, a Otan passou a ser uma espécie de força interventora americana. Diante de visões realistas como estas, é preciso focar a atenção na movimentação feita pela Otan, com os EUA torcendo para que o Ocidente siga os caminhos da razão e do bom senso, pois não há, nessa contenda, um lado a quem se possa debitar o papel de mocinho da história.

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