opinião

Artigo: Os apanhadores de Salinger

Fábio Grecchi
postado em 28/03/2022 06:00

Figuras como estes dois pastores descobertos, no MEC, fazendo politicagem com o dinheiro público e a aquiescência do Palácio do Planalto e do gabinete ministerial, não são raridade nos governos, em nenhum governo. Quem já esteve lá dentro sabe que, num dia qualquer, se é apresentado a alguém desse naipe, saído do escuro. É a "ponte", o "facilitador". Um secretário sem pasta e placa na mesa, mas que manda mais do que muitos dos que fazem parte da estrutura oficial.

Não passam jamais despercebidos, e nem querem. Todo mundo os conhece, são apontados nos corredores. Alguns não fazem por menos e só entram na sede da pasta pelo elevador do ministro. Andam em carro oficial, são chamados de "doutor". Têm a caneta nas mãos, mas não pegam nela, nem assinam documento algum. Mandam assinar.

A existência desses personagens se deve, sobretudo, ao fato de que a política brasileira, qualquer política, vive para a eleição. O que importa são os métodos para estar no poder, mesmo pendurado. O que interessa é trabalhar para viabilizar o voto sempre na mesma direção. Todos os benefícios vêm daí, inclusive a fortuna.

Naturalmente que se trata de uma desfuncionalidade do sistema e, transferida para a esfera pública, se potencializa. Como as instituições de Estado têm dispositivos para a própria proteção, a política se incumbe de contorná-los. Um deles é trazer gente de fora da máquina para executar tarefas que os de dentro não podem.

No caso do governo Bolsonaro, são pastores e ex-militares — trazidos à luz na CPI da Covid. Mas, em outros governos, houve gente de todo tipo exercendo a mesma função: oferecer acesso às verbas públicas mediante pagamento de um dízimo aos caixas pessoal e eleitoral. O hoje pouco lembrado jornalista Helio Fernandes os classificava como "apanhadores no campo de centeio", uma ironia com o título do clássico de J.D. Salinger.

Poucos foram os punidos por abrirem a máquina do governo àqueles cuja função é, apenas, arrecadar e atar laços eleitorais ilegais. Claro que Milton Ribeiro deve sair do MEC — não lhe resta capacidade de permanecer ministro. Mas não se iludam: essas bactérias da política corrompem o Estado há muito tempo.

 

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