Guerra no leste europeu

Análise: Sanções contra a Rússia, riscos legais para empresas e indivíduos brasileiros

EMIL BOVE - Sócio do escritório internacional CSG Law e integrante das áreas de White Collar Criminal Defense, Government Investigations e Cybersecurity da banca

PEDRO BERETTA - Sócio do Höfling advogados, com escritório em São Paulo, atua na defesa criminal de colarinho branco

EDUARDO LEMOS - Sócio do escritório Rigueira, Amorim, Caribé, Caúla & Leitão, com escritórios em Recife, Brasília e São Paulo. Atualmente reside em Nova York, cursando um mestrado em direito (LL.M.) na New York University Law School

Em 2 de março, o Departamento de Justiça dos Estados Unidos (DOJ) anunciou a formação da Força Tarefa Kleptocapture ("Clepto-Captura"), um esforço interagências destinado a investigar violações das sanções americanas contra a Rússia. Paralelamente, em 17 de março, foi anunciada a formação da Força Tarefa multinacional REPO ("Elites, Procuradores e Oligarcas Russos"), que inclui o DOJ, para coordenar os esforços internacionais para apreender e sequestrar bens dos cidadãos russos sancionados e de seus intermediários. Tais anúncios fornecem valiosas informações sobre a estratégia que será adotada pelo DOJ na atual crise.

O DOJ tem um longo histórico em processar empresas e indivíduos estrangeiros nos tribunais americanos, por violações a sanções internacionais e crimes relacionados à lavagem de dinheiro, quando existente um nexo com os EUA. O DOJ, por exemplo, está processando o Halkbank, um banco turco, por supostamente burlar as sanções impostas contra o Irã. O DOJ alega que o Halkbank está sujeito à jurisdição dos EUA porque realizou transferências envolvendo milhões de dólares através de contas correspondentes nos EUA.

As ações de confisco de bens civis do DOJ contra os navios Wise Honest e Courageous, em 2019 e 2021, também refletem um possível caminho para as autoridades americanas. Nestes casos, os dois navios comerciais teriam sido usados para transportar ilicitamente carvão e produtos petrolíferos para a Coreia do Norte, violando as sanções americanas.

A utilização de criptomoedas para escapar de sanções americanas também pode gerar investigações. Por exemplo, em 2021 o americano Virgil Griffith se declarou culpado de prestar serviços ilegais à Coréia do Norte, por ter fornecido instruções sobre como usar a tecnologia de blockchain e cripto para lavar dinheiro e escapar das sanções.

O DOJ também advertiu que examinará as políticas de lavagem de ativos de bancos e outras empresas, incluindo no mercado de cripto. O DOJ recentemente acusou executivos da BitMEX, uma bolsa de derivativos de cripto de Hong Kong, por não ter controles adequados de prevenção à lavagem, em desrespeito à Lei de Segredo Bancário dos EUA. A jurisdição americana foi principalmente estabelecida porque a empresa atendia clientes sediados no país. Ademais, a crescente proficiência das autoridades americanas na utilização de ferramentas de rastreamento de cripto é vista nas prisões de Ilya Lichtenstein e Heather Morgan, com base em alegações de que eles conspiraram para lavar US$ 4,5 bilhões em cripto roubadas em conexão com o hack da Bitfinex, uma das maiores exchanges de cripto do mundo.

Diante disto, entidades e indivíduos brasileiros devem urgentemente rever e fortalecer seus programas internos de compliance, principalmente sob o viés do combate à lavagem de dinheiro (AML) e das políticas de devida diligência (due dilligence), tais como os procedimentos de KYC ("Conheça Seu Cliente"). Para empresas brasileiras potencialmente sujeitas à Lei de Sigilo Bancário dos EUA, o caso BitMEX mostra que o DOJ investigará entidades que não implementarem controles AML apropriados e, como resultado, não reportarem atividades financeiras suspeitas aos órgãos reguladores dos EUA. Mesmo para empresas não sujeitas à jurisdição dos EUA, estabelecer um histórico de diligência relativo aos clientes, contrapartes e terceiros relacionados é fundamental para mitigar riscos de não-conformidade.

Outros riscos legais:

1) Riscos de investigação por autoridades internacionais — Como evidenciado pela decisão da Embraer de se distanciar do mercado russo, transações com vínculos diretos ou indiretos com a Rússia ou oligarcas russos apresentam riscos significativos, inclusive de reputação, e provavelmente serão examinadas com cuidado pelas autoridades internacionais;

2) Cooperação EUA-Brasil, sanções cíveis e produção de provas — A ênfase do DOJ nas leis de confisco civil dos EUA significa que os bens e fundos no Brasil "envolvidos em uma transação ou tentativa de transação" que violem as referidas sanções podem estar sujeitos a apreensão, como das embarcações. Os procuradores americanos também poderiam contar com a relação de cooperação com o Brasil — muito fortalecida durante a Operação Lava-Jato — para executar medidas de confisco civil visando, por exemplo, aeronaves, iates e fundos pertencentes aos oligarcas sancionados. Embora a autoridade dos EUA para conduzir investigações em países estrangeiros seja relativamente limitada, o histórico de cooperação entre os EUA e o Brasil sugere que o DOJ terá amplo acesso às provas produzidas no Brasil em conexão com suas investigações.

3) Serviços Proibidos - As sanções à Rússia também proíbem esforços para fornecer outros tipos de serviços para os alvos das sanções. Em 3 de março, por exemplo, o DOJ acusou criminalmente Jack Hanick, por violar sanções dos EUA, alegando que Hanick trabalhou para Konstantin Malofeyev em projetos relacionados à mídia.

4) Evasão Proibida — A tentativa de escapar das sanções americanas é também proibida em muitas situações e merece atenção cuidadosa caso surjam situações em que partes russas, sem acesso ao sistema Swift e contas correspondentes nos EUA, busquem outros meios de acesso ao sistema financeiro global, tais como mercados de cripto.