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Artigo: Egídio Ferreira Lima honrou a democracia e fez história

Correio Braziliense
postado em 17/04/2022 06:00
 (crédito: Caio Gomez)
(crédito: Caio Gomez)

Angelo Castelo Branco — Jornalista

A jovem adolescente democracia em evolução no nosso ainda conturbado país muito deve ao espírito público de um dos mais importantes protagonistas da recente história. Com um destemor republicano que o acompanhou da infância marcada pela pólio até a consagração da Constituição em 1988, Egídio Ferreira Lima, morto aos 92 anos, foi um grande conciliador. De um equilíbrio incomum e discrição típica dos grandes, foi oráculo onde pessoas dedicadas aos interesses públicos ouviam ponderações e conselhos para enfrentar os desafios que as separavam do desejado Estado de Direito, da anistia, das eleições diretas, da redemocratização, enfim.

A força moral republicana de Egídio o elevava para muito além das simples subordinações a doutrinas ideológicas. Ele nos transmitia uma percepção incomparavelmente mais ampla sobre o papel a ser desempenhado por um político. No adequado bairro dos Aflitos, onde morava no Recife dos anos 1970, ele recebia pessoas que vinham de longe. Alencar Furtado, Alceu Collares, Francisco Pinto, Paulo Brossard, Lysâneas Maciel e o metalúrgico Luís Inácio ("Dr. Egídio, tem um homem barbudo aqui na portaria acompanhado da esposa e de um nenê. Ele quer falar com o senhor") são alguns que vêm à lembrança.

O constituinte Egídio Ferreira Lima mudou o curso da história ao ser designado pelo líder da oposição na Câmara dos Deputados, Freitas Nobre, para denunciar uma manobra ardilosa em curso nos bastidores. Se tramitasse, ela iria inviabilizar a candidatura de Tancredo Neves ao colégio eleitoral. Tratava-se de uma emenda à constituição de autoria do senador Moacyr Dalla, cujo teor tornava a indicação de candidatos à Presidência da República uma prerrogativa dos partidos apoiadores do governo. Sua aprovação, fortemente articulada pelos grupos reacionários à abertura política, expulsaria o MDB do protagonismo eleitoral indireto. Adiaria, portanto, a então visível possibilidade de o governo da União vir a ser exercido pelos liberais democratas. Com maestria e serenidade, Egídio foi ao programa jornalístico Bom Dia Brasil e liquidou as pretensões nebulosas de forma veemente e convincente. Esse é apenas um dos muitos episódios que o projetam entre os notáveis estrategistas de um país livre e moderno.

Há muito o que dizer de Egídio Ferreira Lima. O Brasil perde um de seus mais corretos líderes. Desses que entram e saem da história pela porta da frente. Conviveu ombro a ombro com políticos de sua estatura em capítulos dramáticos antes, durante e depois das rupturas de 1964, com firmeza paradigmática no enfrentamento de usurpadores da livre manifestação da opinião e da democracia.

Merece ser reverenciado com o respeito que o país dedica aos seus verdadeiros heróis. Juiz que deixou o cargo para atender ao apelo da política, deputado cassado que jamais se deixou vencer pelas adversidades, deputado federal notabilizado pela firmeza de princípios libertários, um guerreiro da democracia e da ética, um notável republicano que, de tanto superar obstáculos, inclusive o da sua própria mobilidade física, deixa uma obra indelével e referencial para as novas gerações.

 

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