Cuidado, ilusões e fantasias

Sem engano: a melhor e mais eficaz maneira de comemorar os 62 de Brasília não é tecendo loas e congratulações melodiosas pelas seis décadas de fundação da capital de todos os brasileiros. Melhor do que todo tipo de foguetório e comemorações é a população e, principalmente, os políticos, os empresários e outros próceres da cidade tomarem consciência e, mais do que isso, tomarem prumo sobre a importância e a urgência de salvar a capital da especulação imobiliária, da degradação progressiva de muitas áreas dentro do perímetro urbano, da invasão de terras públicas, da violência que todo dia deixa famílias de brasilienses enlutadas e da falta de compromisso de muitos com o tombamento do Plano Piloto.

Essa coluna, desde as primeiras horas de abril de 1960, empreende essa incansável cruzada em defesa da concepção original da cidade, sem tergiversações e sem a costumeira bajulação dos poderosos locais. Nessa data, vem, mais uma vez, alertar aos brasilienses que se mirem nos que chegaram nos primeiros anos de construção da cidade e nas gerações posteriores que aqui encontraram um lugar para viver, criar seus filhos e crescer profissionalmente: não baixem a guarda em defesa da cidade, de seus valores e de sua história singular.

Temos, em nossas mãos, uma herança magnífica e única, legado de candangos, muitos, inclusive, desconhecidos e anônimos. Todos eles, liderados por uma radiação ímpar de esperança e ânimo, impossível de estarem juntos em um só tempo e lugar, tornaram possível erguer essa cidade numa área antes esquecida e remota do país. Mais do que comemorar, devemos estar prontos para proteger e manter um patrimônio que é de todos nós e que não pode ser replicado mais em tempo algum. A tarefa que caberá às novas gerações é imensa, e se estende não apenas pelo Plano Piloto, mas também pelas regiões administrativos e por outras áreas do entorno mais distantes.

É preciso levar nosso cuidado para além do quadrilátero da capital, pensar nas bacias hidrográficas e na sua preservação. Não pode existir cidade onde não há água. Precisamos de união para defender a preservação de nossos parques naturais, tanto os próximos quanto os que se encontram a quilômetros da capital. Temos a urgência de lutar pela manutenção da área original do Parque da Chapada dos Veadeiros, contra a especulação imobiliária e a invasão de terras nativas por grileiros, garimpeiros e todo tipo de predadores, muitos dos quais residentes em Brasília.

Temos que nos unir para a manutenção do Parque Nacional de Brasília, impedindo sua degradação, feita pelas bordas e de modo contínuo. Precisamos muito mais que trabalhar para manter o que temos em mãos do que comemorar e depois esquecer. Cena rara para quem acompanha a capital do país desde o nascimento, ver políticos locais erguendo a bandeira da preservação da cidade com a qualidade planejada por seus idealizadores.

Essa é uma missão que parece caber apenas aos que aqui vivem desde o barro vermelho e entendem que esse é um destino do qual não podemos abrir mão. Como uma senhorinha que chega à terceira idade, dona Brasília precisa de cuidados e atenção, e não de ilusões e fantasias.