PRECONCEITO

Rodrigo Craveiro: Sobre intolerância e ódio

O bilhete foi deixado em um prédio no bairro Planalto, em Belo Horizonte, e teria sido direcionado a um funcionário de uma empresa terceirizada que trabalhava no condomínio. "Ou você sai daqui, o resto toma banho de cloro, africano. Bons tempos eram quando pessoas como você sabiam do seu lugar que é no tronco, macaco, estúpido. Lugar seu é com sua gente na senzala, seus amigos são sujos como você", escreveu o "cidadão" digno de pena, um covarde que se escondeu no anonimato. Um crime horrendo e inafiançável que denota a excrescência à qual um "ser humano" pode chegar. Racistas se julgam superiores, quando não passam de criaturas vazias e torpes.

Falta de Deus na vida, coisa do demônio, modismo, pecado. Os comentários de internautas sobre a notícia do namoro da atriz Fernanda Souza com Eduarda Porto são uma lição de preconceito e intolerância. Algo parecido aconteceu em Goiânia, minha terra natal. Em meio a um debate na Câmara Municipal em torno de uma propaganda sobre como as crianças veem as relações homoafetivas, quatro vereadores vomitaram homofobia. Disseram que aquilo era uma "vergonha" e não era "coisa de Deus". Que Deus é esse? Deus discrimina seus filhos pela cor da pele? Prega o ódio? Abomina uma criatura pelo fato de sentir amor por uma pessoa do mesmo sexo? Amor... Qual é o pecado em amar?

Vivemos tempos sombrios. O ultraconservadorismo se refugia no falso moralismo e no temor a Deus para legitimar tudo o que não presta em ideologia. Os Estados Unidos, em 2020, disseram "não" a Donald Trump. No último domingo, a França impediu Marine Le Pen de chegar ao poder, ainda que seu Reagrupamento Nacional tenha obtido recorde de votação. Nos dois países considerados símbolos das liberdades civis, a democracia fechou as portas para o autoritarismo, a xenofobia, a islamofobia e a homofobia.

Os EUA e França abraçam a laicidade como premissa de Estado. Ambos respeitam a independência entre poderes e têm líderes que não usam a Constituição para livrar condenados e desafiar o Judiciário. É verdade que, em meio a tantos avanços, os Estados Unidos ainda precisam exorcizar o passado macabro da segregação racial e punir com rigor os atos de intolerância. A humanidade precisa buscar o significado de humanidade. Antes que nossos monstros e demônios nos engulam.

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