Editorial

Visão do Correio: Baixar as máscaras,mas não a guarda

Correio Braziliense
postado em 02/05/2022 06:00

No momento em que cidades brasileiras abandonam a obrigatoriedade do uso de máscaras em praticamente todos os ambientes — medida vista com reservas e cautela por especialistas —, sinais que vêm da área de saúde indicam que os brasileiros estão longe de poder respirar aliviados. E não se trata só de olhar para trás e verificar que é hora de enfrentar as necessidades que foram deixadas em segundo plano diante das urgências da pandemia, a exemplo da carga represada de cirurgias eletivas. É preciso também perceber que o país, preocupado com o fim do estado de emergência sanitária e com o relaxamento de medidas contra a covid-19, está longe de superar alguns de seus velhos fantasmas no setor.

E um dos maiores desses velhos desafios, ironicamente encarnado por um mosquito, não esperou a superação completa da pandemia para voltar a mostrar suas garras. Os alertas quanto às doenças transmitidas pelo Aedes aegypti, que começaram a despontar em Minas e em várias outras partes do país, e aparecem como ameaça consolidada no mais recente boletim epidemiológico do Ministério da Saúde, de 26 de abril. Segundo os dados nacionais, até a 15ª semana epidemiológica deste ano, ocorreram no Brasil 464.255 casos prováveis de dengue, um aumento de 104,4% em relação ao quadro verificado no mesmo período do ano passado.

Quanto aos casos fatais da doença — que, se não mata tanto quanto a covid-19, vem matando há muito mais tempo —, foram confirmados, segundo os dados mais recentes: 131 óbitos por dengue no país, total 147% maior que o verificado no mesmo período de 2021, quando havia 53 mortes atribuídas à arbovirose. Entre os estados que apresentam os maiores números de fatalidades em 2022 estão São Paulo, com 43, seguido por Goiás (21), Bahia (14), Santa Catarina (13) e Minas Gerais (6). Autoridades sanitárias ainda investigam 191 óbitos que podem ter sido causados pelo vírus transmitido pelo mosquito Aedes aegypti.

A taxa de incidência da doença endêmica que volta a assustar é de 217,6 casos por 100 mil habitantes no Brasil, índice que é quase quatro vezes maior na Região Centro-Oeste do país, a que tem maior concentração de diagnósticos prováveis (821,8 casos/100 mil), seguida das regiões Sul (341,5/100 mil), Norte (147,7/100 mil), Sudeste (160,5/100 mil) e Nordeste (89,1/100 mil). Não por acaso, os municípios que apresentaram os maiores registros foram Goiânia (GO), com 28.973 casos (1.862,5/100 mil habitantes, ou mais de oito vezes a taxa nacional), e Brasília (DF) com 26.039 casos (841,5/100 mil). Segundo reportagem recente publicada pelo Correio Braziliense, o Distrito Federal apresentava no início de abril 548% mais registros de dengue que no mesmo período do ano anterior.

Não deixa de ser simbólico que a capital da República seja das mais afetadas pelo mal que há anos desafia população e autoridades sanitárias do país, em todos os níveis. Na avaliação de especialistas, a volta da mobilidade nas cidades proporcionada pelo fim de medidas restritivas impostas durante a pandemia do coronavírus fez com que um outro vírus — o da dengue — voltasse a circular. O resultado foi nova explosão de casos, já que o agente causador encontrou também o mosquito transmissor se reproduzindo nas moradias de uma população desmobilizada, em período no qual o trabalho dos agentes de saúde nos imóveis foi limitado e as campanhas educativas praticamente desapareceram em meio à emergência da pandemia.

Baixadas as máscaras contra a pandemia — precocemente ou não — os números evidenciam que a saúde pública e a população brasileira estão longe de poder baixar as armas da prevenção. A queda nos números da covid-19 deixa claro que o país enfrenta antigos desafios que continuam cobrando providências, prevenção, campanhas educativas e mobilização — enfim, muito do que faltou durante a própria crise do coronavírus.

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