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Artigo: Reflexões sobre o censo das prefeitas brasileiras

Devemos nos perguntar por que os homens governam 88% das cidades do país, incluindo todas as capitais, com exceção de Palmas, capital do Tocantins

Correio Braziliense
postado em 03/05/2022 06:00
Posse da prefeita de Palmas, Cinthia Ribeiro (PSDB), a única mulher que comanda uma das capitais do país -  (crédito: Edu Fortes/Prefeitura de Palmas/Divulgação)
Posse da prefeita de Palmas, Cinthia Ribeiro (PSDB), a única mulher que comanda uma das capitais do país - (crédito: Edu Fortes/Prefeitura de Palmas/Divulgação)

Raissa Rossiter Socióloga, ex-secretária-adjunta de Mulheres do DF, líder do Comitê Políticas Públicas do Grupo Mulheres do Brasil (Núcleo DF)

A divulgação pelo Instituto Alziras dos resultados das entrevistas com 42% das 673 prefeitas brasileiras veio em um momento importante. Em ano de eleição nacional para Presidência, governos estaduais e casas legislativas, devemos observar o que as prefeitas nos revelam sobre as dinâmicas políticas que dificultam o avanço das mulheres no poder. Convido vocês para uma reflexão.

1) As mulheres são 51% da população, mas governam somente, 12% das cidades, em sua maioria, de pequeno e médio porte. Devemos nos perguntar por que os homens governam 88% das cidades do país, incluindo todas as capitais, com exceção de Palmas, capital do Tocantins. Os homens estão no comando da gestão dos serviços de saúde preventiva, da educação básica, da moradia, da cultura, da limpeza urbana, do transporte há séculos, e as desigualdades só aumentam.

A população continua sem atendimento adequado, em especial as populações mais vulneráveis como idosos, crianças, mulheres, populações indígenas, quilombolas e LGBTQIA . Como as necessidades de todos e todas serão consideradas se as pessoas que governam são sempre as mesmas? Os mesmos sobrenomes, os mesmos corpos masculinos e brancos, as mesmas corporações, os mesmos interesses. Está na hora de termos diversidade e rotatividade de olhares e experiências na política. Se queremos construir um país atento às necessidades dos brasileiros e brasileiras, os espaços de decisão pública precisam ser mais diversos.

2) As cidades com mais prefeitas mulheres estão no Norte e no Nordeste. As regiões Norte e Nordeste, onde se concentra a maior parte das populações negras, indígenas e quilombolas, estão abrindo as portas para as mulheres na política. A única mulher governadora eleita em 2018 está no Nordeste (Fátima Bezerra- PT/RN), assim como o maior percentual de vereadoras eleitas em 2016. O crescimento da eleição de mulheres nessas regiões mostra que parte da população brasileira sinaliza o desejo de mudança no modo masculino e não inclusivo de governar e legislar.

3) Sessenta e nove por cento das prefeitas contam com outras mulheres para as tarefas domésticas e 12% as realizam sozinha. As mulheres continuam sendo as responsáveis pelos cuidados com o lar mesmo estando na posição de comando de uma cidade inteira. Pela experiência vivida pelas mulheres, podemos inferir que mesmo as prefeitas que contam com o auxílio de uma trabalhadora doméstica precisam se ocupar mentalmente e emocionalmente com o planejamento e a coordenação dos trabalhos relacionados à casa e cuidados com sua família. A carga mental coloca as mulheres no mundo do trabalho em desvantagem política. O sentimento de cansaço e estresse causado pela terceira jornada delas é estratégico para que os homens se perpetuem no poder.

4) Cinquenta e oito por cento das Prefeitas afirmam ter sofrido assédio ou violência política pelo fato de serem mulheres. Mesmo ascendendo a cargos de poder e na política, elas não estão livres de situações de machismo. Os homens se sentem no direito de ofendê-las, referindo a sua idade, aparência física, corpo, identidade étnico-racial, sexualidade e até mesmo maternidade. Por sermos poucas na política, estar no poder ainda não impede que mulheres sejam tratadas como objetos que podem ser tocados ou criticados.

5) Uma em cada duas prefeitas que sofreram violência política ou assédio não registra denúncia. Prefeitas não denunciaram porque não acreditavam que iria haver qualquer tipo de apuração. Mesmo mulheres que estão no comando de uma cidade desconfiam das instituições estruturalmente machistas. Das que registraram, 50% consideram que não houve a devida apuração dos casos e a responsabilização de gestores. Sabemos que isso ocorre porque todas as instituições que poderiam investigar, fiscalizar e responsabilizar os agressores — polícia, poder judiciário, partidos políticos, poder legislativo, tribunais de contas — ainda são dominadas por homens.

O Censo das Prefeitas mostrou que 62% delas relataram não ser representadas proporcionalmente dentro de seus partidos e que o maior obstáculo para que mulheres sejam eleitas é a falta de recursos para a campanha. As mulheres estão em desvantagens estratégicas já que as decisões sobre recursos estão nas mãos dos homens.

É vital que o TSE fiscalize com rigidez para que os partidos respeitem a legislação brasileira de quotas e fundos eleitorais para mulheres. Precisamos que os partidos sejam aliados à luta pela igualdade, mobilizando recursos financeiros e humanos para as mulheres candidatas e eleitas.

Para que todas as brasileiras possam ter seus direitos defendidos e tenhamos uma sociedade mais justa, inclusiva e igualitária, precisamos estar em todos os espaços. Nas eleições de 2022, devemos ter como meta colocar mais mulheres nos cargos de deputadas, senadoras e governadoras. Só com uma grande rede plural e diversa de mulheres — brancas, negras, indígenas, trans, jovens, idosas, mulheres com deficiência — poderemos ter governantes que atendam aos interesses de todos e todas.

 

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