Desmemoriados e sem dignidade

Correio Braziliense
postado em 04/05/2022 00:01

Para Einstein, a diferença entre passado, presente e futuro era apenas uma persistente ilusão, uma vez que o tempo é relativo a grandezas físicas como a velocidade. Uma dessas relações ilusórias do homem com o tempo é dada pela memória e tudo parece desvanecer como fumaça carregada pelo vento.

O sentimento, conferido pela velocidade e volume dos acontecimentos atuais, que chega até nós, em torrentes colossais, tanto pela internet, quanto por outras mídias instantâneas, parece soterrar o ser humano com toneladas de informações. Ao mesmo tempo, parece inserir o indivíduo, de forma isolada, no meio de uma multidão de mais de sete bilhões de pessoas, todas elas borbulhando numa imensa bacia das almas, onde buscam explicações para o que seria esse holograma chamado vida.

Não é por outra razão que, atualmente, muitos se indagam hoje sobre os mistérios do que parece ser o encurtamento do tempo. Não são poucas as pessoas que estranham como os dias parecem transcorrer em desabalada velocidade ladeira a baixo. Não há tempo suficiente para nada. No passado, os mais sábios haviam previsto que chegaria um dia, em que o tempo passaria em nossa frente com tamanha velocidade e pressa, que muitos seriam deixados para trás sem fôlego ou mesmo vontade de seguir adiante.

Hoje, diz-se que os dias voam como horas, e horas, como minutos. Impressão, ou não, o fato é que toda essa superagitação moderna, em que não há sequer tempo para os outros que estão ao nosso lado, acaba tendo efeito também sobre a memória individual e coletiva. O sentimento que muitos experimentam é de que a memória foi empurrada para os porões do subconsciente, onde o acesso só é feito por meio dos sonhos.

Estaríamos, de fato, dado ao volume de informação, construindo uma espécie de Torre de Babel para buscar, mais uma vez, refúgio nos céus, numa confusão moderna em que a praga da multiplicidade de linguagens foi substituída pela quantidade de conhecimento que temos do mundo à nossa volta? Em excesso, até água morna mata. Um dos problemas dessa aparente rapidez do tempo é que vamos, numa espécie de contramarcha, perdendo a capacidade de reter o cotidiano na memória.

Ao fim do dia, mal sabemos o que fizemos pela manhã. Com isso, vamos escrevendo um diário como quem escreve na areia à beira mar. Ciente dessa perda de memória, nossos algozes, que antes faziam esforços para esquecêssemos suas fealdades, hoje já nem se dão ao trabalho de escondê-las. Exemplo dessa nossa fragilidade de memória pode ser conferida pela desfaçatez com que um ex-presidente se apresenta hoje como candidato, de modo impávido e impoluto, pronto para voltar a governar o mesmo país, que ainda ontem dilapidou com sua gangue.

Do mesmo modo, podemos observar a guerra na Ucrânia, que, a cada dia, vai perdendo espaço nos noticiários ao mesmo tempo em que vão se avolumando o número de jovens mortos. Um dia, quando não restar nada mais do que cadáveres e escombros calcinados, esse conflito covarde irá terminar. Assim como irão terminar as sanções mundiais contra o governo russo.

A Organização das Nações Unidas (ONU), do alto de sua conhecida indiferença, vai ignorar os crimes de guerra. Ninguém fala mais sobre a origem do covid-19. Putin voltará a ser recebido com pompas e circunstâncias nos salões do poder internacional, como se nada tivesse feito. O mundo reagirá com a mesma indiferença que reagiu ao Holodomor stalinista. Restarão apenas as cruzes fincadas no chão naquele país várias massacrado pelos russos.

São perigos dessa natureza, facilitados por nossa perda de memória, que estamos condenados a vir a assistir de novo. Até um dia em que essa desmemorização nos trará junto a perda definitiva do que nos ainda resta de dignidade.

» A frase que foi pronunciada

"O tempo não faz algo apenas com a memória — a memória também faz algo com o tempo."

Professor Douwe Draaisma

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