Editorial

Visão do Correio: Mineração no Pão de Açúcar

Correio Braziliense
postado em 06/05/2022 06:00

As catástrofes ambientais têm sido cada vez mais rotineiras mundo afora, resultado muitas vezes da atividade humana predatória, feita sem qualquer respeito à natureza. No Brasil, de norte a sul, temos assistido com frequência assustadora a notícias de agressões ao meio ambiente: desmatamentos gigantescos, queimadas descontroladas, garimpo ilegal em rios da Amazônia, além de mineração em áreas que deveriam ser preservadas.

Em relação ao desmatamento, um dos capítulos mais recentes da devastação está contido no levantamento feito pela ONG Global Forest Watch e divulgado na semana passada: o Brasil foi responsável por 40% de tudo o que foi desmatado em 2021 no mundo. Nosso país perdeu nada menos que 1,5 milhão de hectares de florestas tropicais primárias. A maior parte na Região Norte. De acordo com o relatório, a taxa de desmatamento tem se mantido alta nos últimos anos no Brasil e está relacionada, principalmente, aos incêndios.

São números que deveriam servir de alerta às autoridades do país, especialmente agora com o início do período de seca em grande parte do território nacional. No entanto, pelo que vimos em anos anteriores, é pouco provável que tenhamos uma grande ação preventiva para evitar o fogo descontrolado. Ao que tudo indica, daqui a pouco, mais uma vez, começaremos a ver nossos biomas em chamas.

Enquanto avança a devastação das florestas, outras ameaças e agressões ao meio ambiente também preocupam, como o garimpo em áreas indígenas, poluindo rios e paraísos naturais, a exemplo do que ocorreu em Alter do Chão, no Pará, e a mineração em áreas impróprias, próximas a grandes cidades.

A mineração é uma atividade importante, que gera riquezas e empregos e não deve ser demonizada. Mas isso não significa que ela pode ser feita de qualquer jeito, sem planejamento, e em qualquer lugar. Se isso não é respeitado, o resultado são tragédias como as que vimos nos últimos anos ou, no mínimo, a destruição de patrimônios naturais.

É o que está acontecendo na Região Metropolitana de Belo Horizonte, terceira maior do país, um fato que ganhou repercussão nacional. A mineradora Tamisa recebeu licença do Conselho de Política Ambiental (Copam) para explorar milhões de toneladas de minério de ferro em uma área de 1.200 hectares na Serra do Curral, maciço de montanhas que emoldura a capital mineira.

Embora a empresa alegue que cumpriu todas as etapas técnicas para implantar o empreendimento, ambientalistas afirmam que a devastação da área para retirar o minério será gigantesca, com prejuízos para a fauna e a flora. No caso da vegetação, eles argumentam que existem no local espécies ameaçadas de extinção, como o cacto Arthrocereus glaziovii, que só é encontrado nessa região do país. Além dos danos à biodiversidade, nascentes serão destruídas e há quem aponte riscos para o sistema de abastecimento de água da região metropolitana de BH.

A área a ser minerada fica a menos de três quilômetros de bairros da capital e cidades vizinhas, próximo inclusive de um dos maiores hospitais da cidade. Isso significa que moradores e pacientes vão ter de conviver com explosões que serão feitas pela Tamisa — como é comum em qualquer mineração — e também com a poeira que vai ser levada da área escavada para a cidade. Sem contar o tráfego incessante de veículos pesados, como caminhões, utilizados para retirada do material escavado.

A Prefeitura de BH e o Ministério Público entraram na Justiça contra a exploração da Serra, deputados tentam criar uma CPI para investigar como foi aprovado o projeto da mineradora, e a população se mobiliza para preservar seu patrimônio.

Do outro lado, o governador de Minas, Romeu Zema (Novo), defende pessoalmente — e em tom enfático — a atividade da mineradora e a aprovação do complexo minerário feita pelo Copam. Segundo ele, "pessoas que não têm nenhuma formação não deveriam estar opinando" sobre o assunto. A Secretaria do Meio Ambiente do governo mineiro, que deveria zelar pela preservação de nossos patrimônios ambientais, vai no mesmo tom do governador.

O que o atual ocupante do governo de Minas parece desconhecer é que essas "pessoas sem formação" são ninguém menos que os próprios moradores de Belo Horizonte, responsáveis pela eleição da Serra do Curral como símbolo da cidade em 1997. Eles estão indignados. Sabem que esta Serra é muito mais do que uma formação geológica: tem uma dimensão simbólica. Foi — e ainda é — decisiva para a construção da identidade de BH, do senso de pertencimento de seus moradores e desperta fascínio também nos visitantes da capital mineira.

Alguém imagina uma mineração no Corcovado ou no Pão de Açúcar?

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