O Grande Irmão

Correio Braziliense
postado em 12/05/2022 00:01

Por mais espantoso e surrealista que possa parecer, os ainda cidadãos brasileiros estão, de forma lenta e gradual, aplainando com as próprias mãos o terreno para a construção do que pode vir a ser o mais eficaz e moderno Estado ditatorial que se tem notícia. Toda essa distopia vai, a cada dia, ganhando forma e conteúdo por meio de um mega sistema que permeia todo o Estado, contaminando suas instituições, ao mesmo tempo em que prepara todo um arcabouço legal para legitimá-lo, em caso de oposição ou questionamentos.

Trata-se aqui, não de uma teoria da conspiração, como alegam seus beneficiários, mas uma realidade que vai se concretizando a olhos vistos, diante de todos. De um lado, vamos assistindo, inertes, o enfeixamento de super poderes nas mãos do Judiciário, com juízes e outros operadores desse Poder ganhando relevância sobrenatural, interferindo em outras instâncias, legislando e interpretando as leis como bem lhes aprazem. Também investigando, julgando e punindo, tudo num mesmo pacote, intimidando governadores, prefeitos e até o presidente da República abertamente e, enfim, impondo um clima de medo geral, ameaçando inclusive todos aqueles que ousarem antepor dúvidas sobre seu comportamento. Há, aqui, uma visível hipertrofia do Judiciário, prejudicial ao que ainda acreditamos ser o Estado Democrático de Direito.

Um termo pomposo, mas que vai perdendo seu significado real, à medida em que os dias passam. Por outro lado, existe ainda uma ameaça tão ou mais sobrenatural para a cidadania vinda justamente de onde se esperava haver uma maior proteção e amparo aos cidadãos. Os ditos representantes da população, com assento no Poder Legislativo, estão, todos eles, por conta de uma atuação estratégica, coordenada pelos partidos, com o controle absoluto sobre um naco significativo do Orçamento da União, na forma de emendas secretas, tanto de relatoria, quanto de bancadas ou individuais.

São dezenas de bilhões de reais que transitam sem controle, indo diretamente para correligionários, redutos ou currais eleitorais ou para as mãos de amigos, parentes, laranjas e outros grupos, que usam essas verbas para abrir veredas livres para esses parlamentares e para perpetuação desses indivíduos no poder. Nada dessa dinheirama toda, sem carimbo e sem auditoria, é destinada para o benefício de projetos para as populações necessitadas.

O que se tem aqui é um novo tipo de Orçamento da União sujo, em que o dinheiro do pagador de impostos vai para essa união espúria de grupos parlamentares, que dele fazem o que querem. Nesse verdadeiro oceano de dinheiro em que navegam, os parlamentares contam ainda com os recursos bilionários provenientes dos Fundos Partidários e Eleitorais, todos destinados ao enriquecimento de legendas privadas e vazias de conteúdo para a perpetuação de um sistema viciado em que notórios indivíduos, a maioria com processos cabeludos junto a justiça, permanecem se elegendo, pleito após pleito.

Leis como improbidade, ficha limpa e outros instrumentos legais que deveriam trazer alguma proteção e ética à coisa pública, são descartados e sequer mencionados. O que a população parece não ter se dado conta ainda é que está, por meio dos impostos que paga ou que são arrancados pela Receita daqueles que não possuem as blindagens do Estado, financiando a consolidação de um governo e principalmente de um Estado ditatorial, em que a elite política, juntamente com a elite da magistratura, está fechando o cerco em torno dos cidadãos, obrigando-os a custearem uma gigantesca máquina burocrática e corrupta, a serviço apenas de um pequeno grupo, que vive naquilo que Machado de Assis denominava, ainda no século XIX como o Brasil oficial, longe do que é o Brasil real. É a nossa versão piorada e abrasileirada do Grande Irmão, que bancamos com nosso suor.

Notícias pelo celular

Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.


Dê a sua opinião

O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.

Tags