Guerra no leste europeu

Tendências mundiais no pós-pandemia e, quiçá, no pós-guerra

Correio Braziliense
postado em 19/05/2022 06:00
 (crédito: Caio Gomez)
(crédito: Caio Gomez)

FERNANDO DE MAGALHÃES FURLAN - Professor doutor do Uniceplac/DF e consultor ad hoc da Unctad, foi presidente do Cade e secretário-executivo do Mdic

Nos últimos dois anos, o mundo virou de cabeça pra baixo. Não bastassem os desafios da pandemia, agora, convivemos com a guerra na Ucrânia. Mas, antes de tudo isso, algumas tendências internacionais já vinham se desenhando. A partir do governo de Donald Trump, os Estados Unidos iniciaram um desmonte orquestrado do multilateralismo, investindo no bilateralismo, como fortalecimento de uma tendência nacionalista/protecionista/xenófoba, incluindo restrições à imigração, aos estudos e ao trabalho de estrangeiros.

Essa nova postura nacionalista dos EUA, a partir de Trump, também pode ser vista com a ascensão do Partido Conservador, de Boris Johnson, no Reino Unido, e o consequente Brexit (saída do Reino Unido da União Europeia). Na geopolítica mundial, ainda assistimos hoje a uma estratégia estadunidense de redução do espaço da China na arena global. Aí incluído o enfraquecimento do multilateralismo, em que a República Popular da China vem ganhando mais espaço e protagonismo.

Outra tática dos EUA tem sido opor a Rússia à China, lembrando que Putin detém mandato até 2036 e Xi Jinping até 2027, pelo menos. Contudo, nesse esforço, a guerra da Ucrânia trouxe efeitos imprevistos, com o alinhamento prudente da China à Rússia em relação ao conflito. Depois de resolvido a guerra na Ucrânia, há outras questões em aberto na geopolítica internacional e que afetam diretamente os interesses de Pequim, aí incluídos Taiwan e Hong Kong.

Por seu lado, vemos a China buscando fortalecer sua influência regional e global, por meio de iniciativas como a Nova Rota da Seda (Belt and Road Initiative — BRI), lançada em 2013 por Xi Jinping. Trata-se de um ambicioso projeto de integração eurasiática, centrado em infraestrutura de transporte, comunicação e energia, mas, também, com conotações mais amplas do ponto de vista geopolítico.

Pois bem, com a pandemia, um dos pilares da globalização, a livre circulação de pessoas e mercadorias foi fortemente afetada com a rápida propagação da doença, e, agora, com a guerra na Europa. A Organização Mundial do Comércio (OMC) calcula que o comércio internacional encolherá entre 13% e 30%, na fase pós-pandêmica. Com isso, temos assistido a uma mudança nos paradigmas das relações econômicas mundiais: a tendência atual é do regionalismo, em oposição ao globalismo. Ou seja, nos novos tempos de dificuldades no fornecimento de mercadorias e serviços, devem ser consolidadas cadeias locais e regionais de suprimento em detrimento de arranjos globais, sob pena de desabastecimento.

O desabastecimento no mercado brasileiro de fertilizantes agrícolas, tão importantes para a produtividade do nosso agronegócio, é a ponta do iceberg dos riscos da falta de produtos trazidos pela guerra entre Rússia e Ucrânia, dois dos principais fornecedores mundiais do produto. Isso, sem falar em trigo, milho, petróleo e derivados entre outros.

É nesse contexto que precisamos estar atentos à nossa produção local, investirmos e reativarmos setores industriais que haviam encerrado atividades em razão da agressiva e, muitas vezes, desleal concorrência de produtos importados. Precisamos, portanto, ter autossuficiência não somente em petróleo, mas em outros produtos também estratégicos, como vacinas, alimentos, energia.

É necessário ainda ter consciência de que a manutenção do setor produtivo no país, ou seja, a capacidade de o Brasil manter um setor industrial diversificado, rentável e competitivo, passa pelo combate às práticas desleais de comércio internacional. De que adianta pagar menos agora comprando produtos importados com preços artificialmente baixos se, em pouco tempo, poderá não mais haver produto local para comprar? Isso porque a indústria brasileira poderá já ter desaparecido, incapaz de competir com importados superbaratos.

O mesmo se diga em relação aos investimentos necessários ao país. Quem vai correr riscos e investir na produção nacional se não houver mais espaço para o produto doméstico? Pois o desaparecimento do setor produtivo-industrial de um país tem também como consequência a drástica redução dos empregos.

O Brasil é um país com um mercado interno valioso e um potencial de exploração econômica vastíssimo. Ainda temos um parque industrial bastante diversificado, mas que exige novos investimentos e modernização.

Notícias pelo celular

Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.


Dê a sua opinião

O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.