Samba ou réquiem

Correio Braziliense
postado em 16/06/2022 00:01

Se no século passado era a saúva, o inseto apontado como ameaça ao Brasil. Hoje, esse posto ganhou novos protagonistas, seres de uma espécie muito mais evoluída e cujos estragos à existência do país e da nação se elevam a um altíssimo nível, impossível de calcular. A situação adquiriu um tal grau de emergência e periculosidade que é possível afirmar, parafraseando Saint-Hilaire em 1800: "Ou o Brasil acaba com o crime organizado e suas vertentes, ou esses grupos acabarão com o Brasil".

Vivemos uma situação limite na qual o ponto de inflexão está dado, quando se verifica que o crime organizado está estendendo seus braços para dentro do Estado, ocupando posições estratégicas, ameaçando instituições e, com isso, ganhando um novo status e poder, substituindo a antiga sandália de borracha branca com bermuda, pelo terno de corte italiano de colarinho branco. Tem sido cada vez mais frequentes os noticiários, em todo o país, dando conta do espraiamento do crime organizado para empresas municipais e de prestação de serviços públicos, de onde lava o dinheiro dos ilícitos e ainda ganha posição de pressão sobre os governos locais.

Em outra vertente, os criminosos, agrupados em organizações cada vez mais profissionais, bem estruturadas e com protocolos sofisticados, passaram a controlar vastas áreas dentro da cidade, onde a população é ameaçada e pressionada, a votar apenas nos candidatos apontados por esses marginais, ao mesmo tempo em que proíbem a campanha de outros políticos. Fazer campanha pela moralização do Estado, com combate ao crime, e outras propostas éticas dentro dessas comunidades, é assinar um decreto de morte. Os prefeitos e vereadores dessas localidades dominadas são acompanhados de perto e, não raro, só adotam medidas com a benção desses bandidos. Ao estender seu domínio sobre o Legislativo local, como parece estar acontecendo na Assembleia de São Paulo, onde um deputado é acusado de colaborar com o crime organizado, as novas gerações desses chefes aprenderão que é dentro da máquina do Estado que estão as maiores oportunidades de enriquecimento.

Nessa posição os meliantes, cujas candidaturas foram financiadas pelo dinheiro dessas organizações, adquirem a prerrogativa do foro, que lhes fornecem a blindagem necessária para roubar em paz, longe das bisbilhotices da lei. É preciso atentar que o crescimento dessas organizações só foi possível graças a fatores como o aumento da corrupção no meio policial, da leniência da Justiça, da frouxidão das leis e do pouco empenho das autoridades, desanimadas com a tarefa de enxugar gelo. De todos esses fatores, que favorecem o crescimento desses grupos criminosas e sua infiltração no Estado, nenhum outro tem sido mais importante do que a própria corrupção política, entranhada em nosso país, desde seu nascimento.

A corrupção política e sua contrapartida, a impunidade generalizada, tem sido, nesses últimos anos, o principal incentivo e modelo que os criminosos passaram a incorporar para ter uma verdadeira vida de foras da lei, sem serem importunados pela lei. Como diz a letra do samba Homenagem ao malandro, de Chico Buarque: "Agora já não é normal/O que dá de malandro regular, profissional/Malandro com aparato de malandro oficial/Malandro candidato a malandro federal/Malandro com retrato na coluna social/Malandro com contrato, com gravata e capital/Que nunca se dá mal..." Lirismo à parte, a situação atual não dá enredo para samba. No máximo ajuda a compor o réquiem de uma nação.

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