Frankstein

Nada como eventos imprevisíveis e incontroláveis pelos seres humanos, para mostrar a viabilidade de outros caminhos, renovando e empurrando velhos conceitos para fora da estrada. Foi assim com a pandemia. De repente, o home office, uma opção de trabalho puramente racional e adequada a um mundo congestionado e superpopuloso, e que parecia longe da realidade brasileira e mundial, ao menos na visão dos antigos modelos burocráticos impostos aos trabalhadores, se tornou o novo normal, com pessoas cumprindo suas tarefas diárias sem sair de casa, economizando recursos, para si e para o país.

Em certo sentido, essa mudança na direção dos ventos pode ser aplicada também, guardada as devidas proporções, à chamada Federação de Partidos. Instituída pelo Congresso Nacional em 2021, inserida na meia-sola da reforma política, em plena pandemia, permitiu que as legendas possam atuar, unificadamente, em todo o país, no que se pretende ser uma futura fusão de partidos.

Na verdade, a federação foi uma gambiarra improvisada, para impedir que as pequenas legendas naufragassem no quesito representatividade, atraindo-as para as legendas maiores e, com isso, aumentando o tempo de propaganda e de recursos oriundos dos fundos eleitorais e partidários.

Mesmo sendo obrigados a permanecerem coligadas depois das eleições, não há, evidentemente, afinidades programáticas entre os elementos que formam o conjunto de federações. De fato, ninguém, nem mesmo os eleitores, conhecem os novos estatutos dessas federações. O que importa é saber que elas, mesmo antes do pleito de outubro, demonstram, na prática, a possibilidade concreta de que se estabeleça novo modelo de representação, em que quatro ou cinco forças políticas, no máximo, tenham assento no Congresso, acabando coma a miríade de legendas, a grande maioria, siglas de aluguel e sem importância alguma.

A pandemia, a possibilidade de trabalho remoto dos congressistas, a polarização política, os atentados, como o sofrido pelo então candidato Bolsonaro em Juiz de Fora, e a insegurança geral vão empurrando as campanhas para fora das ruas, longe do contato direto com o público. No novo modelo, as redes sociais ganharam terreno e parecem ditar o jeito atual de fazer campanhas. Todas essas alterações radicais, seriam impensáveis até três anos atrás. É a política a reboque da ocasião.

Se, por um lado, a pandemia forçou o aparecimento de novos modelos políticos, no que pode ser chamado de reforma política pandêmica; por outro, a reclusão forçada e o medo da doença e mesmo a luta pela vida, forçaram os cidadãos a se distanciar do dia a dia da política. Foi justamente nessa ocasião de recolhimento geral, que ministros do Supremo encontraram nas filigranas jurídicas, o caminho que desejavam para empurrar, goela abaixo da sociedade, o ex-presidente Lula, embaralhando e conspurcando as eleições, criando um factoide surreal, que ameaça o próprio futuro democrático do país.

Lula é, de fato, o candidato que os ministros das altas Cortes querem de volta à Presidência. Não apenas eles, mas os banqueiros, os empresários, que sempre tiveram no Estado seu cliente mais rentável e outros que enxergam e anseiam pela volta do país ao período pré Operação Lava-Jato. Como candidato favorito nas pesquisas pouco detalhadas, Lula afirma que não participará de debates. Quando estava na prisão, fez o que pôde e o que não pôde para participar dos debates. Agora, diz que não vai se expor. Ao eleitor, que a lei obriga o comparecimento às urnas, não é dada a faculdade de se eximir. A legislação precisa obrigar os candidatos a participar dos debates. Afinal, essa é a maneira do eleitor conhecer o caráter e as propostas de cada um desses postulantes. Com altíssima intenção de votos, mas sem poder caminhar livremente pelas ruas e sem participar de debates com outros adversários, Lula se tornou o candidato de laboratório, que, à semelhança da criatura trazida ao mundo pelo cientista Victor Frankenstein, no romance de Mary Shelley, de 1818, sonha em reascender os tempos sombrios da era petista.