opinião

Artigo: Vontade e possibilidade

ANDRÉ GUSTAVO STUMPF — Jornalista (andregustavo10@terra.com.br)

Guerra é a continuação da política por outros meios, segundo a clássica definição de Clausewitz. Mas a prática do enfrentamento bélico significa mortos sem fim e sem explicação, sempre com base em algum pretexto criado por algum inventivo assessor do grande chefe. Nos dias que correm, Putin insiste na tese de desnazificar a Ucrânia, país que é dirigido por um judeu. É incoerência absoluta para justificar a violenta agressão com objetivo de ganhar território, guerra de conquista, atitude inimaginável na Europa do século 21. Repetição anacrônica da sangrenta aventura de Hitler. O povo que se dane.

A guerra, contudo, tem outras justificativas. A economia norte-americana, por exemplo, precisa de conflitos bélicos para se desenvolver. Somente a Marinha dos Estados Unidos possui 13 grupos de batalha, com porta-aviões prontos para operar em qualquer canto do planeta. Cada um destes grupos, com centenas de aviões, helicópteros, cinco navios e um submarino de ataque rápido, exige a participação de 6.700 homens e mulheres para tripulá-los ao custo de US$ 6,5 milhões por dia. Essa máquina precisa trabalhar. Se ficar parada corre o risco da obsolescência.

As consequências dos conflitos bélicos nem sempre correspondem ao planejado. A Guerra do Vietnã serviu para confirmar o poder dos comunistas na região. O contrário do pretendido por Washington. A invasão do Iraque resultou na morte do ditador, na destruição do país, no saque às relíquias históricas e no assalto às fontes de petróleo. Os lucros norte-americanos foram abissais. Mas as consequências políticas não contribuíram em nada para a paz regional ou mundial. Prevaleceu a bestialidade.

Há eventuais ganhos laterais nesses períodos excepcionais. A polonesa Marie Curie, prêmio Nobel, trabalhou na Primeira Guerra Mundial aplicando seu aparelho de raios X, chamado de petite Curie. Evitou a amputação de milhares de pernas e braços dos soldados. A penicilina na Segunda Guerra salvou a vida de muitos combatentes. Novas tecnologias foram descobertas. O Brasil auxiliou no esforço de guerra na Europa com seus 25 mil pracinhas e exportação de matérias-primas. Fez um caixa importante. Aumentou reservas, quando o principal produto de exportação era o café.

Eurico Gaspar Dutra tomou posse na presidência da República do Brasil em janeiro de 1946, logo após o final da Segunda Guerra. Encontrou o cofre cheio. Seu governo liberal abriu as portas às importações de bens de consumo, numa época em que o parque industrial brasileiro era mínimo e desprotegido. Resultado: o dinheiro acabou, a inflação apareceu, a moeda se desvalorizou e teve início a rotina de crises econômicas que atravessaria o governo de seu sucessor Getúlio Vargas. O Brasil só encontraria novo rumo no governo Juscelino Kubitschek.

A guerra é também momento de novas oportunidades. A União Europeia decidiu boicotar o petróleo e os cereais exportados pela Rússia. O que era produzido pela Ucrânia não vai chegar aos portos ocidentais até que o conflito termine. É a oportunidade para o Brasil aumentar sua produção de grãos e de petróleo e substituir o produto russo nos mercados no outro lado do Atlântico. Há, ainda, a grande novidade do hidrogênio verde. É a energia produzida a partir de fontes renováveis, que promete acelerar a transição energética global.

Existem tecnologias capazes de separar o hidrogênio do oxigênio a partir da água, por meio da eletrólise. O hidrogênio mais cobiçado é o que usa energia de fontes renováveis, como hídrica, eólica e solar. Depois da eletrólise, o hidrogênio é comprimido e armazenado. Ele pode ser armazenado e exportado em navios de grande capacidade. No destino, ele retorna à forma original para ser utilizado como fonte de energia, ou seja, combustível. O Brasil pode se transformar em importante produtor de hidrogênio verde, porque possui a capacidade para desenvolver grandes parques eólicos ou solares e dispõe da infraestrutura portuária em posição ideal para exportar a países europeus.

Em maio de 1994, o candidato Lula liderava a disputa para a Presidência da República com 40% das intenções de votos. Fernando Henrique tinha 17%. Veio o Plano Real e acabou com a inflação. Mudou tudo. O candidato do PSDB venceu no primeiro turno. Os candidatos, em 2022, precisam ter olhos de ver o que acontece no mundo. Bolsonaro terá sua chance no encontro com Joe Biden em Los Angeles. O futuro próximo se resume em possibilidade, oportunidade e vontade. A conjugação dos três quesitos tem o poder de mudar o resultado da eleição.