ELEIÇÕES 2022

Visto, lido e ouvido: a mãe do juiz

Entregue nas mãos de um indivíduo o cetro do poder, logo, logo ele irá substituir esse bastão pelo chicote. Ao longo de toda a história da humanidade, esse é o meio mais fácil de conhecer o caráter de alguém. No Brasil, o preceito não é diferente e tem sido também o caminho mais curto e eficaz para transformar homens comuns, e até medíocres, em verdadeiras bestas feras que se movem pela fantasia da vanglória. Há muito se sabe que o poder, como potência, é a imposição poderosa da vontade de um sobre outros. 

No caso das relações dentro do Estado, o poder se resume ao que é: um jogo de dominação política. Para Bobbio, no entanto, o poder se define como uma rede ou teia de relações entre elementos em diferentes posições dentro da sociedade, o que equivale a dizer, dentro da máquina do Estado.  

Em democracias pouco desenvolvidas, como no nosso caso particular, o Estado, ao contrário do que ocorre com os cidadãos comuns, é o único a deter, de fato, o poder, exercendo-o de acordo e em consonância com o que determinam as classes políticas dirigentes com assento nas três principais instituições da República.

Na realidade, no caso brasileiro, o Estado se confunde com esses indivíduos que compõem as altas redes de relações. É o Brasil oficial e caricato, como afirmava Machado de Assis, formado por pessoas às quais foram delegados poderes e que integram hoje polos distantes do que é o Brasil real.

Há, como se constata, um Estado rico e poderoso, composto por indivíduos a quase se tornarem também ricos e poderosos e que paira, como ave de rapina, sobre a cabeça dos cidadãos de segunda classe, exercitando o poder de acordo com as perspectivas que almejam para si e para os seus mais próximos.

Numa estrutura como essa, o que reza a Constituição de 1988, em seu artigo 1º — no qual se lê "Todo o poder emana do povo" —, que, em tese, deveria ser a única lei da Carta Magna, é letra morta, assassinada, friamente, ainda na flor da idade. Por mais paradoxal que possa parecer, as brechas para que o povo possa, em algum instante, sentir-se como senhor da razão, só se apresentam nos momentos em que os próprios poderes do Estado passam a não se entender e a disputar hegemonia.

Vale para os lares, vale para o Estado: em casa que todos mandam e dizem não, ninguém obedece, pois não há ordem nem união. É o que temos no momento, com a hipertrofia da Justiça, dentro do que se convencionou chamar de ativismo judiciário das altas cortes.

O que antes se resumia no esquemático e pouco republicano presidencialismo de coalizão, e que era resolvido com a entrega de parte dos anéis pelo Executivo, ganhou agora um novo e perigoso protagonista na figura de juízes das altas cortes, muito bem retratado pelo editorial do jornal O Globo.

Se antes estavam no tabuleiro das disputas representantes dos dois poderes da República, eleitos pela população, todos eles envolvidos no jogo pelo controle do Estado e de seus recursos, agora entrou nessa peleja mais um elemento, a desejar os mesmos troféus e a embaralhar esse torneio.

É como um jogo de futebol com três times em campo. Ao presidente da República, somam-se agora os 513 deputados, os oitenta e um senadores e os onze ministros do Supremo Tribunal Federal, todos disputando a Taça Brasil, jogado num campo de várzea, é verdade, e com a plateia atenta ao vale-tudo pelo domínio da pelota. Todos absortos na mais autêntica pelada. Só não vale xingar a mãe do juiz.    

 

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