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Artigo: marco temporal volta ao debate; por Rosane Garcia

O Supremo Tribunal Federal (STF) deverá retomar, na próxima quinta-feira (23/6), o julgamento do marco temporal sobre as terras indígenas. Trata-se de uma tese elaborada pelos adversários dos povos originários, que embasa uma ação judicial do governo de Santa Catarina contra o povo Xokleng, deslocados do seu território, devido à construção da Barragem do Norte, em Itajaí, que inundou aldeias e dispersou o grupo por vários municípios catarinenses.

O processo tomou como precedente a decisão da Corte, em 2009, a favor dos cinco povos —Ingarikó, Macuxi, Patamona, Taurepang, Wapichana — que vivem na Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, em uma área de 1.747 hectares, habitada por mais de 26 mil pessoas. A Corte considerou que os indígenas ocupavam a área quando foi promulgada a nova Constituição, em 5 de outubro de 1988. Assim, os adversários querem que a data de vigência da atual Carta Magna seja referência para o reconhecimento das terras indígenas. O grupo que não comprovar que em outubro de 1988 estava na área que habita pode ser despejado em favor dos mais diferentes interesses.

A derrota da tese poderá acirrar ainda mais as divergências entre o governo e a Alta Corte. O Palácio do Planalto defende o marco temporal. Argumenta que a rejeição da tese criará insegurança jurídica e inviabilizará o agronegócio. Sem antecipar como reagiria em caso de derrota, o governo garante ter uma resposta pronta.

Para o relator do processo, ministro Edson Fachin, é descabida a ideia de que os povos originários só podem reivindicar o domínio de um território se lá estivessem em 1988. Ele afirma que o caso Raposa do Sol não é precedente, pois, se assim o fosse, seria "inviabilizar todas as demais etnias". No entendimento do magistrado, "quem não vê as diferenças não promove a igualdade". Uma vitória da tese do marco temporal significaria a suspensão de todos os processos judiciais, ainda que paralisados, de demarcações de terras indígenas no país.

O marco é mais uma aberração entre as muitas atrocidades que ocorrem contra os povos indígenas, os primeiros habitantes do país. Significaria legalizar o esbulho possessório. Apesar de criminosas, as invasões de territórios dos povos indígenas ganharam escala no atual governo. Eis uma das razões que levou à covarde execução do indigenista Bruno Pereira e do jornalista inglês Dom Phillips. A mesma barbárie é, diariamente, enfrentada pelo povo Yanomami e pelos vários grupos que sofrem com o assassinato de seus líderes, jovens e crianças, e com violência sexual que vitima mulheres e adolescentes.

A história está repleta de dramas causados pelo esbulho das terras indígenas. Um dos mais gritantes episódios ocorre, há décadas, com o povo Guarani-Kaiowá, em Mato Grosso Sul. Asfixiado pela pressão dos inescrupulosos invasores, esse povo tem os mais elevados índices de suicídio. Se vitoriosa, a tese do marco temporal será uma das mais poderosas armas para o avanço da política de extermínio dos povos indígenas, fortalecendo as iniciativas do poder público voltadas ao etnocídio.

 

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