ELEIÇÕES

Artigo: Poder sem propósito não é o mesmo que liderança

Correio Braziliense
postado em 01/07/2022 06:00
 (crédito: Caio Gomez)
(crédito: Caio Gomez)

Otávio Santana do Rêgo Barros - General de Divisão da reserva

Eleições são terrenos minados por bate-boca e incompreensão. Vejam as nossas, caro leitor. As falas dos candidatos preparam o ambiente de batalha final para a aniquilação total do adversário, retratado sempre como moralmente inaceitável. Ainda que esses inimigos de hoje, hipocritamente, possam estar aliados nas próximas eleições.

Nesse embate de opiniões, nenhum lado deseja realmente escutar o outro. Busca moldar seus seguidores, muitos desamparados de sustentação psicossocial, incutindo-lhes uma mentalidade divisiva e irreconciliável. São momentos como esses que exigem a "erupção" de lideranças motivadoras, sensíveis à realidade da sociedade, apaziguadoras de ânimos e humildes na aceitação de seus equívocos. Que tenham o poder como instrumento social e não pessoal.

Os atuais condottieres precisam compreender a diferença entre mandar, comandar e liderar. O mandar é fruto do poder que o cargo lhe oferece. O comandar é ato pessoal de aceitar e estimular a cooperação. O liderar vai muito além, é instigar por palavras, por gestos, pelo exemplo individual, natural e às vezes estoico. O poder sem propósito e sem visão não é o mesmo que a liderança. Igualmente, são momentos como esses que exigem uma sociedade que compreenda o seu papel na construção do Estado e do governo, entes fundamentais para a paz e o bem-estar sociais.

Extraio trecho da obra A questão de culpa, de Karl Jasper, ao comentar a sociedade alemã no período de 1933 a 1945. Uma formulação ainda atual e preocupante. "Parece que as pessoas não querem pensar individualmente. Elas buscam apenas palavras de ordem e obediência. Elas não perguntam e elas não respondem. Elas só sabem afirmar e obedecer, não examinar e reconhecer, por isso também não podem ser convencidas."

A nossa responsabilidade cidadã não cessa em momento algum. Temos sempre que assumir nossas culpas e nossos acertos. No Estado moderno, todos agem politicamente, no mínimo ao votarem nas eleições ou até deixando de fazê-lo. A responsabilidade política não permite que ninguém fuja para a selva escondendo-se de seu papel. Portanto, não há trilhas ou atalhos que nos façam chegar aonde desejamos que sejam livres dos obstáculos políticos, econômicos e sociais.

Todos os atos que redundem em ações de um governo acontecem por meio de atores humanos. Os detentores do poder, os colaboradores de diversas categorias e a massa de indivíduos em seu dia a dia de sobrevivência são os personagens dessa peça da vida de um país. O filósofo deixa perpassar que as sociedades só encontrarão a estrada pavimentada para o futuro por meio da comunicação entre pessoas. E eu acrescento, da comunicação entre instituições.

A produção da argamassa, a realização dos cálculos técnicos e a execução da obra é nossa responsabilidade. Nossas britadeiras, pás e picaretas serão os votos. Naturalmente, o encarregado da obra precisa compreender seu papel nessa empreitada. Quando enxergamos candidatos a mestres de obras apenas com ganas de poder, ultrapassados no tempo, que usam técnicas obsoletas de fazer política e que tentam se impor pelo grito e não pela competência, a tendência é termos que recapear, a cada quatro anos, o piso esburacado nesse caminho que nos levará à estabilidade democrática.

A propósito e voltando ao tema liderança, "se um líder se vangloria continuamente, não demonstra civilidade, ou gosta de discutir, não irá longe", afirmou Theodore Roosevelt. Parece ser essa, por enquanto, a nossa sina. Paz e bem.

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