música

Artigo: Transgressão e censura

Irlam Rocha Lima
postado em 05/07/2022 06:00
 (crédito: Minervino Junior/CB/D.A Press)
(crédito: Minervino Junior/CB/D.A Press)

Chico Buarque de Hollanda se tornou o alvo preferencial da censura federal durante o período da ditadura militar. A perseguição teve início em 1968, ano em que foi editado o famigerado Ato Institucional nº 5 (AI 5). O objeto do cerceamento não foi a música do então jovem compositor, que, meses antes, havia o classificado em segundo lugar no Festival da Record, com a canção Roda viva, mas, sim, a peça de título homônimo, considerada "subversiva". Os atores que a encenavam no Teatro Ruth Escobar, em São Paulo, foram vítimas, no palco, de violenta agressão física perpetrada por fascistas de uma organização que ficou conhecida como Comando de Caça aos Comunistas (CCC).

Houve repressão cultural também em relação a outras duas peças que tem Chico Buarque como coautor: Calabar: o elogio da traição, de 1972, escrita em parceria com o cineasta Ruy Guerra; e Gota d'água, roteirizada por ele e Paulo Pontes. Esta última liberada, posteriormente, e protagonizada pela grande Bibi Ferreira, transformou-se num clássico do teatro brasileiro.

Mas foi na área da música que, à época, se observou uma intolerância ainda maior em relação à obra de Chico. O clássico Apesar de você, que logo no primeiro verso diz "Apesar de você, amanhã há de ser outro dia", foi proibida de tocar no rádio entre 1971 e 1978.

Em 1984, um ano antes do regime discricionário chegar ao fim, ainda houve tempo para os censores prescreverem Vai passar, outra consagrada composição buarqueana de cortante teor político, que, num dos trechos da letra, relata:"...Página infeliz de nossa história/ Passagem, desbotada na memória das nossas novas gerações..."

Sem deixar de lado a faceta transgressora e sempre atento ao que ocorre ao seu redor, Chico compôs, recentemente, Que tal um samba?, com longa letra de versos por vezes suaves, por vezes contundentes. No single, disponível nas plataformas digitais, de forma enfática, Chico canta:"...Desmantelar a força bruta/ Então que tal puxar um samba legal/ Puxar um samba porreta/ Depois de tanta mutreta..." Tudo a ver com o que se percebe, atualmente, no país.

Que tal um samba? é também nome do show que o Chico estreia em 6 de setembro, no Teatro Pedra do Reino, em João Pessoa. Depois de passar por Natal, Curitiba, Belo Horizonte, Fortaleza, Porto Alegre e Salvador, o cantor chegará a Brasília para apresentações em 29 e 30 de novembro. No espetáculo, ele tem como convidada especial Mônica Salmaso, uma das mais sofisticadas intérpretes da MPB contemporânea que, em 2014, lançou o álbum Noites de gala — Samba na rua, só com músicas do artista carioca. Nada melhor do que esse espetáculo para um respiro, em tempos de tanto sufoco.

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