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Visão do Correio: Desafios à frente

O descontrole das contas públicas é um passo para se perder o controle da inflação, com o risco de o país repetir a década de 1980. E são os mais pobres, ajudados agora, que serão os mais prejudicados

Correio Braziliense
postado em 06/07/2022 06:00
 (crédito:  Amaro Jr./CB/D.A Press)
(crédito: Amaro Jr./CB/D.A Press)

A aprovação da PEC 1/2022 na Câmara dos Deputados vai garantir benefícios sociais a uma fatia significativa da população afetada pelo desemprego ainda elevado e a alta da inflação. A PEC eleva o Auxílio Brasil de R$ 400 para R$ 600 mensais e amplia o pagamento para 19 milhões de famílias — zerando a fila pela ajuda —, garante o passe livre para idosos no transporte público urbano, aumenta o vale-gás para R$ 120 a cada bimestre e libera R$ 500 milhões para o programa Alimenta Brasil, destinado à compra de produtos de agricultores familiares para doação às famílias mais carentes. Prevê ainda auxílio de R$ 1 mil para caminhoneiros autônomos e uma ajuda a taxistas ainda sem valor definido.

Com 125,2 milhões de brasileiros vivendo com algum grau de insegurança alimentar, sendo que 33,1 milhões convivem diariamente com a fome, a ajuda é mais do que necessária. Mas a forma como ela está sendo feita, sem observar os gastos públicos e com alcance apenas até o fim deste ano, está longe de resolver o problema da inflação, do desemprego ou da fome.

Para os que não têm nada, pouco é muito. Mas hoje o valor da cesta básica nas principais capitais supera o R$ 600 do Auxílio-Brasil, com o maior valor chegando a R$ 777,93 em São Paulo e ficando abaixo do novo patamar do auxílio apenas em cinco das 17 capitais pesquisadas pelo Dieese em maio. Ainda assim, o menor valor (R$ 548,38) corresponde a 91,4% do benefício. Já o novo valor do vale-gás é pouco superior ao preço médio do botijão de 13kg no país hoje, na casa de R$ 113. A ajuda vai garantir comida e gás para preparar os alimentos até o fim deste ano. Como não é uma política de estado, acaba com o fim do governo atual.

O vale para os caminhoneiros de R$ 1 mil é suficiente para comprar 144 litros de diesel, considerando o preço médio de R$ 6,94 no país, o que representa 36% da capacidade média do tanque de um caminhão que varia de 300 a 500 litros. Nos caminhões maiores, equipados com dois tanques de 450 litros cada, o volume adquirido é menor ainda, correspondendo a 16% do volume total. Com um desempenho em torno de 3 quilômetros por litro de diesel, o abastecimento com o vale é suficiente para rodar 432 quilômetros, ou seja, ir de Belo Horizonte ao Rio de Janeiro uma única vez.

Postos os efeitos positivos da PEC 1/2022, é preciso lembrar que os gastos de R$ 41,2 bilhões estão fora do Orçamento aprovado para este ano. A cotação do dólar iniciou uma escalada na semana passada e ontem fechou a R$ 5,389, o maior valor desde janeiro. Alta da moeda norte-americana tem impacto direto na inflação, pesando sobre gasolina, diesel e alimentos, além de pressionar tarifas de serviços públicos.

No médio prazo, o crescimento dos gastos públicos tem efeito inflacionário, por aumentar a liquidez da economia e fomentar o consumo, o que dificulta a missão do Banco Central, que já admite romper o teto da meta inflacionária pelo segundo ano em 2022. Com isso, os juros vão subir ainda mais.

E se a inflação é um problema mundial, ele é maior aqui, como mostra estudo da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), revelando que a taxa acumulada em 12 meses no Brasil até maio, de 11,7%, é a quarta maior entre os países do G-20, abaixo apenas da Turquia (73,5%), Argentina (60,71%) e Rússia (17,1%). O descontrole das contas públicas é um passo para se perder o controle da inflação, com o risco de o país repetir a década de 1980. E são os mais pobres, ajudados agora, que serão os mais prejudicados.

 


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