MÍDIA

Artigo: O encanto pela sordidez

Jéssica Eufrásio
postado em 18/07/2022 06:00 / atualizado em 18/07/2022 10:45
 (crédito:  Maurenilson Freire/CB/D.A Press)
(crédito: Maurenilson Freire/CB/D.A Press)

Dois fatores são essenciais para atrair a atenção de alguém para um fato: despertar a curiosidade e provocar sensações além da vontade de saber mais a respeito. A combinação, que funciona como fórmula mágica nas mídias, tem uso reiterado há bastante tempo. Muitas vezes, porém, de maneira inconsequente.

Nos sites, essa receita nutre os chamados clickbaits, ou caça-cliques, que instigam o interesse por meio de imagens ou títulos chamativos. O estilo também prevalece em meios de comunicação mais antigos, com a apresentação de conteúdos de cunho apelativo ou na prática de anunciar parte da informação e deixar a íntegra para depois. O modelo se sustenta não só em função do estímulo a uma característica natural do ser humano, mas por questões mercadológicas. Afinal, é lucrativo.

Apesar de óbvias, essas questões vêm como pano de fundo para o foco deste texto: tratar da curiosidade atrelada ao sadismo. Nesta semana, após a divulgação da notícia do estupro praticado pelo médico Giovanni Quintella Bezerra contra uma mulher em trabalho de parto, a busca dos internautas por cenas da ação colocou essa consulta em destaque no principal site de pesquisas da atualidade. E o pior: quatro das cinco frases mais procuradas nos últimos dias relacionadas à palavra "anestesista" vinham acompanhadas dos termos "vídeo" ou "vídeo completo".

A gravação do momento do crime teve papel importantíssimo, pois permitiu à polícia chegar ao acusado rapidamente e munida de provas. No entanto, é preocupante que as imagens tenham ganhado tamanha dimensão. Quando circulam de maneira tão livre, ainda que censuradas, elas levam à revitimização e podem trazer de volta sensações que exigem anos para processamento. As consequências são maiores se consideradas as pessoas que enfrentaram violência sexual, ou temem por isso, e acabaram expostas aos registros.

A difusão, especialmente sem avisos de conteúdo sensível, recebeu críticas de pesquisadores brasileiros que tratam de temas como política e sociedade. Os pontos levantados envolveram, em outras palavras, o que está por trás da alimentação desse encanto pelo sórdido, bem como efeitos disso e saídas para o problema. A primeira orientação, naturalmente, é evitar o consumo de materiais com esse teor. Mas o desafio tem mão dupla.

Da mesma forma que há uma recomendação aos receptores, há um chamado aos emissores — não só por questões éticas, mas de empatia. Sobre jornalistas ou não, paira a necessidade de se questionar ad aeternum quanto à relevância e aos impactos do que será divulgado. Sem uma autocobrança constante, restará apenas engolir a valorização do repulsivo em detrimento do interesse público.

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