Análise

Artigo: Vida longa para crianças com doença cardíaca

A chave para evitar a perda de vidas está no diagnóstico precoce, ainda no útero, o que pode ser feito por meio do ecocardiograma fetal, um exame indolor e sem nenhum risco para o bebê

Correio Braziliense
postado em 18/07/2022 06:00
Estima-se que um entre cada 100 bebês apresenta alguma cardiopatia congênita -  (crédito: Caio Gomez)
Estima-se que um entre cada 100 bebês apresenta alguma cardiopatia congênita - (crédito: Caio Gomez)

CARLOS SCHERR - Cardiologista, é diretor-geral do Instituto Nacional de Cardiologia (INC)

RENATA MATTOS - Cardiopediatra, é chefe da Divisão de Cardiologia Pediátrica e Cardiopatia Congênita do INC

O caso recente da filha do ator Juliano Cazarré, da novela Pantanal, chamou a atenção para o desafio enfrentado pelo sistema de saúde brasileiro quanto à cardiopatia congênita, termo que designa doenças cardíacas presentes quando a criança nasce.

Juliano e a esposa agiram de forma sensata, primeiro ao realizarem, no pré-natal, o exame de ecocardiograma fetal, que identificou uma malformação na valva tricúspide do coraçãozinho do feto, doença denominada anomalia de Ebstein. De posse do diagnóstico precoce, eles tomaram a decisão correta de realizar o parto num hospital com equipe especializada em cardiopatias congênitas, que conduziu o necessário procedimento cirúrgico logo após o nascimento.

Estima-se que um entre cada 100 bebês apresenta alguma cardiopatia congênita, o que equivale a cerca de 30 mil recém-nascidos por ano no Brasil. A chave para evitar a perda de vidas está no diagnóstico precoce, ainda no útero, o que pode ser feito por meio do ecocardiograma fetal, um exame indolor e sem nenhum risco para o bebê.

O ecocardiograma fetal pode ser realizado por equipamentos de ultrassom, que estão disponíveis em grande parte das unidades das redes pública e privada de saúde no Brasil. O exame de ultrassom já faz parte do rol de procedimentos padrão do pré-natal e permite aos médicos visualizarem o desenvolvimento global do feto — e aos pais descobrirem o sexo do bebê. Nossa proposta é que todas as grávidas brasileiras passem também a fazer um ecocardiograma fetal no pré-natal.

O maior desafio para a universalização do ecocardiograma fetal não está na disponibilidade de equipamentos nem no custo do exame, mas, sim, nos recursos humanos. O ideal é que o operador do ultrassom seja um cardiopediatra, conhecedor da anatomia e das especificidades desses pequenos corações.

Como nem sempre é possível contar com esse profissional nas unidades de saúde país afora, será necessário treinar médicos de outras especialidades para terem um olhar mais sensível às cardiopatias e realizarem uma triagem abrangente. Nesse sentido, o Ministério da Saúde criou o Programa Renasce, coordenado pelo Instituto Nacional de Cardiologia (INC), que está em fase de implantação e tem como objetivo melhorar o diagnóstico e tratamento de cardiopatias congênitas no SUS.

Um dos pilares do Renasce é exatamente a capacitação de recursos humanos, realizada pela equipe do INC, que é referência do Ministério da Saúde no tratamento de alta complexidade em doenças cardíacas. O programa prevê a utilização da telemedicina, que avançou muito nos últimos anos. O desenvolvimento das tecnologias digitais já permite que médicos operadores de ultrassom enviem imagens dos exames para análise dos cardiopediatras do INC e de outros centros especializados em cardiopatias congênitas. Dessa forma, acreditamos que podemos avançar no necessário diagnóstico precoce.

Na ausência do diagnóstico intrauterino, torna-se ainda mais importante a realização do teste do coraçãozinho em todos os recém-nascidos. O exame, que está disponível no SUS, consiste na medição do índice de oxigenação dos recém-nascidos por meio de saturímetros colocados nos dedos da mão e do pé do bebê. Nos casos de baixa oxigenação ou de diferença significativa entre a oxigenação na mão e no pé, o recém-nascido é, então, submetido a um ecocardiograma. Identificada uma cardiopatia, em certos casos, é preciso tratá-la imediatamente por meio de cirurgia ou cateterismo.

No bojo do Programa Renasce, estamos trabalhando para otimizar os procedimentos de regulação de recém-nascidos com cardiopatias que necessitam de tratamento rápido. O Programa também estipulou como meta aumentar o número de cirurgias para tratar as cardiopatias congênitas em 60% até 2023.

Por fim, cabe recomendar aos pais que fiquem atentos a sinais que podem indicar uma cardiopatia congênita nos seus bebês: cansaço e várias pausas durante a mamada; dificuldade de ganhar peso; lábios e nariz que ficam roxos, principalmente quando a criança chora; e falta de ar e coração muito acelerado sem ter feito exercício. Nesses casos, procure logo aconselhamento médico. A medicina e a ciência avançaram sobremaneira e crianças que nascem com doenças cardíacas podem ter uma vida longa e produtiva, desde que diagnosticadas e tratadas precocemente.

 

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