Mulheres

Artigo: 30 anos do Dia da Mulher Afro-Latino-Americana e Caribenha

Correio Braziliense
postado em 23/07/2022 06:00
 (crédito: maurenilson freire)
(crédito: maurenilson freire)

JAQUELINE FERNANDES - Jornalista, gestora cultural, ativista, coordenadora geral do Festival Latinidades

Este é o ano em que se completam 30 anos desde a criação de uma das ideias mais poderosas dos últimos tempos. Em 25 de julho de 1992, eu tinha 12 anos. Nas ruas de terra do Agreste, bairro periférico de Planaltina (DF), eu nem imaginava que, naquele momento, mulheres negras de 70 países reuniam-se na República Dominicana para dar um passo revolucionário que, muitos anos depois, me arrebataria completamente.

No 1º Encontro de Mulheres Negras da América Latina e do Caribe, realizado em Santo Domingo, nasceu e até hoje se sustenta a ideia de criar um marco internacional de lutas para denunciar a situação de vulnerabilidade e as violências que atingem as mulheres negras, desde a colonização dos territórios que hoje conhecemos como América Latina e Caribe.

Alguns podem até ter dito que aquilo se tratava apenas de uma linha imaginária, um sonho sem possibilidade de materialização. Como mulheres negras, diante de todas as opressões sofridas, poderiam materializar algo tão grandioso? Justo aquelas historicamente marcadas pelo racismo e pelo sexismo; aquelas que, estando na base da pirâmide, sentem todo o peso da sociedade? Como? Como elas poderiam materializar algo desse tamanho?

Uma sociedade estruturada pelo racismo não quer reconhecer a força e a potência de mulheres negras. Assim como a relevância das nossas contribuições para o planeta. Mulheres negras são capazes de tudo. Mulheres como as que se reuniram em Santo Domingo tinham e têm em sua linha ancestral direta muito mais do que dor. Os seus passos nos trouxeram até aqui e nos levarão além. O evento do 1º Encontro criou um dos marcos imaginativos mais promissores e materializáveis dos últimos tempos. Porque mulheres negras vêm colocando a vida a serviço das pautas ali refletidas.

Eu sempre ouvi que "evento é vento", como metáfora para dizer que eventos não trazem legados e, portanto, são desimportantes, comparados a outras ações. Nunca acreditei nisso e, depois de ter conhecimento do evento de criação do 25 de julho, menos ainda. Mas uma coisa é certa: evento é vento. O vento é o próprio ar em movimento. Ele é sempre fluxo. Movimenta, revolve, transforma. Onde o vento passa, a depender da sua intensidade, nada permanece como antes. E é exatamente de uma mudança nas estruturas que precisamos. O vento voa, livre, por distâncias inimagináveis. Ele propaga o fogo. "É o vento que balança a folha."

O Dia da Mulher Afro-Latino-Americana e Caribenha saiu da República Dominicana como muito mais que uma utopia, um boca a boca, um buchicho. Hora brisa, hora tornado, nunca deixou de ser movimentado pelos movimentos de mulheres negras. Um dever de casa continuado, que segue formando toda a sociedade, não apenas nós negras, por meio de espaços conquistados, como esta coluna no Correio Braziliense. Por isso, um dia é pouco. Julho é, agora, o Julho das Pretas.

O maior festival de mulheres negras da América Latina é um dos legados da ventania que passou pelo 1º encontro, realizado em 2022, que nunca parou. Desde a sua fundação, o projeto contribuiu e foi robustecido por redes de mulheres negras. Reuniu mais de 400 mil pessoas, mais de 20 países e gerou muito tempo de TV, milhares de postagens em redes sociais, capas de jornais e revistas, ilustradas por trajetórias e saberes de mulheres negras.

A edição 2022 é comemorativa de nossos 15 anos. Acontece no Museu Nacional, de 22 a 24 de julho, sob o slogan: "Mulheres negras: todas as alternativas passam por nós". Não que os caminhos para o futuro não devam passar por todas as pessoas. Inclusive, é necessário que passe. Mas as soluções, tecnologias e legados de mulheres negras são indispensáveis para o desenvolvimento da sociedade, em todos os aspectos.

A programação abrange painéis, oficinas, desfiles, feira de gastronomia, espaço geek, lançamentos literários, exposição, desfiles e shows. Estaremos empenhadas em reunir material de memória, registrar e visibilizar partes da história, das lutas e das trajetórias de mulheres negras que construíram o legado dos 30 anos de 25 de julho. Todas as atividades são gratuitas e estão disponíveis para consulta no site: www.afrolatinas.com.br.

Nesta edição especial de 15 anos, 50 mulheres inspiradoras serão homenageadas na galeria Rosas em vida. Nomes como Conceição Evaristo, Sueli Carneiro, Francia Márquez, Epsy Campbell Barr, Grace Jones, Dona Gracinha da Sanfona. São 50 homenageadas que representam as lutas e anseios de milhões de anônimas negras brasileiras, das Américas e do Caribe.

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