Não há trégua para as mulheres nos espaços de poder. Todas as mulheres que conquistaram seu lugar numa cadeira política e foram entrevistadas por mim e minhas colegas de redação, ao longo do tempo enfrentaram e enfrentam uma luta extra, que nada tem a ver com a disputa por votos. É constante a batalha contra o machismo e a misoginia.
A campanha propriamente dita nem começou, e o rastro de podridão já vai espalhando o cheiro fétido das fake news e ataques sórdidos contra as mulheres, de qualquer espectro político. Aqui e ali, pelos grupos de WhatsApp, já estão postas as armas com as quais os brucutus machistas operam: posts com comentários maldosos, insinuações, xingamentos, ameaças, ataques de gênero, transfobia e memes nada engraçados.
São recados covardes direcionados às candidatas, que passam ao largo de qualquer debate político-ideológico. Miram a vida pessoal, o gênero, a idade, a sexualidade, a roupa, a aparência física, os filhos. Não, corpos femininos não podem habitar o mesmo lugar-tempo-espaço dos garanhões da política, é o que acham. A razão é simples: mulheres ameaçam o status quo "hetero top" do poder.
Nenhuma delas escapa. Seja Keka Bagno, do PSol; Celina Leão, do PP; Erika Kokay, do PT; Flávia Arruda, do PL; Simone Tebet, do PMDB; Izolda Cela, do PDT. Seja Dilma Rousseff, Luiza Erundina, Maria de Lourdes Abadia - que, na Constituinte, ouviu a "sugestão" de mijar de pé quando questionou a ausência de banheiro feminino no Congresso. Ontem, hoje e amanhã, não há tempo fácil para as mulheres que ousam entrar para a política.
A juíza auxiliar da Presidência e secretária de Auditoria do TSE, Clara da Mota, disse em painel memorável para a Justiça Eleitoral, em abril deste ano: "O corpo feminino não é visto como um corpo que deve transitar pela política. E quando, muito ousadamente, ele [o corpo feminino] cruza essa fronteira, há uma resposta violenta para que não cheguemos a esse espaço e uma violência para nos expulsar".
Felizmente, há vozes e práticas pela insistência e pela resistência. Há mulheres que não desistem. Aqui na redação, duas colunistas de política experientes, Ana Maria Campos e Denise Rothenburg, estão a postos para dar voz e espaço para mulheres políticas em novo podcast que o Correio Braziliense está preparando.
O InternetLab lançou o Guia para o Enfrentamento da Violência Política de Gênero, destinado a mulheres que exerçam ou pretendam exercer um mandato eletivo, mas também para toda a sociedade. A atual ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Cristiane Britto, anunciou que, nas eleições de 2022, a pasta reforçará a estrutura da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos para receber e encaminhar esse tipo de denúncia.
Sabemos que há muito a percorrer, e esse caminho só será viável para as mulheres quando elas estiverem ocupando espaços de poder. Somos maioria da população e do eleitorado. Avançamos na Justiça, mas precisamos avançar muito no Parlamento.
A resposta para a violência e a truculência machista precisa ser no voto, na representatividade política. Com um bom resultado nas urnas, aos poucos, o macho que se sente tão viril ferindo a dignidade da mulher política volta para a caverna.
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