Opinião

Artigo: Interesses armamentistas

A insistência em flexibilizar o acesso às armas vem acompanhada da justificativa de "autodefesa". E a propagação desse incentivo representa uma ameaça ao país, que, em 2003, promoveu uma campanha pelo desarmamento

Jéssica Eufrásio
postado em 25/07/2022 06:00 / atualizado em 25/07/2022 14:38
 (crédito: Fernando Lopes/CB/D.A Press)
(crédito: Fernando Lopes/CB/D.A Press)

O Brasil se tornou uma pátria armada. A quantidade de pessoas físicas com certificado ativo de arma de fogo para uso como colecionador, atirador esportivo ou caçador ascende anualmente. Até 2017, não chegava às centenas de milhares: eram 63 mil cadastradas no sistema do Exército Brasileiro. De 2018 em diante, porém, houve uma explosão de registros. Naquele ano, o crescimento foi de 86%, em relação ao mesmo período anterior. E, de lá para cá, aumentou mais de 470%: há 673 mil delas nas mãos dessa parcela da população, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2022.

Atualmente, cada brasileiro tem permissão para comprar até quatro armas. O total de registros ativos de cidadãos comuns junto à Polícia Federal — inclusos servidores públicos autorizados a portá-las devido à função exercida e caçadores de subsistência — passa de 829 mil. No ano passado, os estoques particulares superaram até o arsenal dos órgãos públicos.

A insistência em flexibilizar o acesso às armas vem acompanhada da justificativa de "autodefesa". E a propagação desse incentivo representa uma ameaça ao país, que, em 2003, promoveu uma campanha pelo desarmamento.

O argumento frequentemente usado de proteção pessoal não se sustenta por diferentes motivos. Entre eles, a impossibilidade de saber o que ocorreria em uma eventual situação de risco; a imprevisibilidade das reações humanas, especialmente em momentos de intensa emoção; além de que a sensação de ameaça parte de uma avaliação subjetiva.

Os resultados de uma sociedade com cada vez mais armas em circulação aparecem regularmente nos noticiários: feminicídios, ataques em massa, assassinatos por discordâncias, ameaças em discussões com desconhecidos e mortes ou ferimentos acidentais provocados por tiros. A justificativa se mostra contraproducente, portanto, em face do que se revela no dia a dia, tanto no Brasil quanto em países com políticas bem mais permissivas de acesso a armas, como os Estados Unidos.

O documentário Tiros em Columbine, por sinal, promove uma reflexão sobre o que há por trás desse interesse armamentista. Lançado há 20 anos, o longa-metragem continua extremamente atual ao trazer à discussão temas como massacres, lobby industrial, o papel exercido por empresários nos espaços de decisão política, bem como os pilares que sustentam e disseminam uma cultura de violência — que tem alvos bastante definidos, vale lembrar.

Na prática, armas não têm outra finalidade senão ameaçar, ferir ou matar. E, quanto mais livre o acesso a elas, mais comuns se tornarão os casos mencionados. Essa permissibilidade será apenas um entre os inúmeros entraves sociais a serem enfrentados pelas próximas gestões do governo, com chances de levar anos ou décadas para ser resolvida. Com a facilitação da chegada delas à ilegalidade como consequência, restará saber como.

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