Meu caro Brasil

Correio Braziliense
postado em 29/07/2022 00:01

Numa República, que faça jus ao nome e objetive a universalização do bem público, não caberia, por razões óbvias e éticas, a existência de cargos e outras sinecuras no serviço público, do tipo vitalício. O próprio sentido da vitaliciedade desconfigura a República, naquilo que ela possui de mais característico, que é a impessoalidade e o interesse comum.

Ao assenhorear-se de um cargo vitalício, todo e qualquer indivíduo, entra para um mundo onde as leis naturais, que regem outros homens, não têm mais sentido. Nesse ambiente, distante anos-luz de qualquer sentido republicano, o tempo cuida de amalgamar o cargo, a função e o indivíduo, transmutando tudo num só elemento, em que não é possível separar e distinguir sujeito e objeto. O cargo e a função vitalícia representam não só o antípoda da República, como cuida de desmaterializá-lo, desmoralizando-o frente a sociedade.

Ao transplantar esse modelo próprio da antiga monarquia para a República, o que o instituto da vitaliciedade conseguiu foi a contaminação da correta e isenta prestação dos serviços públicos, com elementos personalistas, distantes, pois, dos interesses dos cidadãos. Ao mesmo tempo em que se afasta das necessidades dos cidadãos e da ética pública, a vitaliciedade faz da máquina pública um mecanismo a serviço das elites.

Para além de servir como instrumento de impunidade para aqueles que eternamente ocupam esses cargos, a vitaliciedade cria, aos olhos de todos, cidadãos de primeira e de segunda classe, uma casta de privilegiados, protegidos e blindados pelo manto de intocabilidade, livres de quaisquer punições, mesmo que cometam crimes não condizentes com o cargo que ocupam.

Quando apanhados em crimes e delitos de grande repercussão, dos quais os cidadãos comuns jamais se livrariam, esses eternos senhores são punidos com aposentadoria compulsória, recebendo salário integral e outras prebendas como reparação a expulsão do paraíso. Muitos são os escândalos ocorridos nesses postos, poucas as punições e nenhuma iniciativa para pôr fim a esses privilégios, uma vez que contribuem, direta ou indiretamente, para dar cobertura aos mal feitos das elites.

A vitaliciedade de uns acoberta e protege a de outros, e todos vivem felizes para sempre nessa terra do nunca, onde há os cargos vitalícios. As razões de tanta felicidades são sabidas: todos esses cargos levam o contemplado a uma espécie de paraíso na Terra, onde as mordomias são infinitas, as obrigações são poucas e os castigos não acontecem. De vitalício para uma República bastaria a ética.

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