Paternidade

Artigo: Responsabilidade comum

Quase 54 mil crianças nascidas em 2021 não tiveram o pai reconhecido na certidão de nascimento. Nos primeiros três meses de 2022, 29 mil foram registrados só pela mãe — mais da metade de todo o ano passado. Uma vez que nenhuma mulher se autoengravida, pode-se dizer que o pai de cada um desses bebês, por não assumir a paternidade, abortou o filho — exceto aqueles que morreram sem os conhecer .

Hoje, são mais de 11 milhões de mães solo no país. A maioria delas depende do trabalho para sobreviver e, se genitora pela primeira vez, para garantir o sustento da criança. Mas a compreensão do aborto paterno não é debatida nem repugnada pela maioria da sociedade. Prevalece a interpretação machista de que a responsabilidade pela gravidez é exclusiva da mulher. Se ela não decorre de violência sexual, a gestação é resultado da vontade do casal.

A irresponsabilidade masculina ante o recém-nascido que carrega seu DNA não provoca nenhum celeuma, a ponto de chegar à mídia e se tornar tema de condenações públicas. Ainda há quem diga: "Esses homens são assim mesmo. Eles se aproveitam das mulheres e depois não estão nem aí". Outros levantam o dedo em riste e responsabilizam as mulheres: "Por que ela não se cuidou, não tomou contraceptivo?" Ao fim e ao cabo, culpabilizam a mulher e mais, alegam, numa apologia ao machismo, que "o homem cumpriu seu papel".

Diante do nascimento de uma criança, o cuidado, o afeto, o sustento e tudo mais de que ela necessita é responsabilidade dos pais (mãe e pai), e não só da mulher. No entanto, na realidade brasileira, a tarefa se tornou exclusiva das mulheres, sejam solteiras, sejam casadas. Se solteira ou separada, ela nem sempre conta com a colaboração do ex-companheiro. "Azar dela. Quem mandou ter filho?" são expressões corriqueiras, que manifestam a indiferença e o desprezo à mãe solo, e reforçam a irresponsabilidade masculina.

As mudanças no comportamento dos homens não se tornaram padrão. Há muitos que são dedicados e que dividem as obrigações, mesmo que não convivam com a mãe da criança. A legislação condena os que não reconhecem o filho ou a filha. Pune com privação de liberdade — após três meses de atraso no pagamento da pensão alimentícia —, penhora de bens e inscrição no SPC e no Serasa. Mas nenhum desses castigos supre a necessidade da criança de ter a presença afetiva do pai. Para a mulher, sobram mais dores de cabeça em busca dos direitos do rebento.

Diante de tantos episódios tristes e vergonhosos, é preciso rever a educação, desde o lar até as escolas, sobre o significado de ter filhos. Não é apenas a reposição de pessoas no mundo, para a perenidade da espécie humana. O cuidar da formação do novo ser até a idade adulta faz toda a diferença para a sociedade que necessitamos e desejamos ter. Não a que temos hoje: obscura, violenta, desrespeitosa, sem equidade de gêneros e desumana.

Saiba Mais