Rio de Janeiro

Artigo: Um dia no Ramal Japeri

Dez horas da manhã de um lindo domingo. Central do Brasil, Rio de Janeiro. O programa da família de três — eu, a esposa e a filha — é visitar três tias, em Nova Iguaçu. Enquanto compro os bilhetes de ida e volta a R$ 30, ouço o aviso: "O próximo trem do ramal Japeri sai em quatro minutos". Apesar da correria, dá tempo de acessar o último vagão para a viagem de 1h10 cheia de histórias.

O silêncio é quebrado pela voz firme e forte de uma vendedora ambulante. Na mão direita, segura uma rede com bonecas LOL vendidas a R$ 20. Na esquerda, gesticula. Discursa numa conversa privada para todo mundo ouvir com um cidadão fantasiado. Ele é candidato a deputado estadual. Um cartaz na barriga anuncia a intenção com o número de Whats'App dele e o convite: "Telefona pra mim". No vaivém do papo, a comerciante filosofa. "Sabe por que o Rio tá assim? A geração que deveria mudar o mundo só quer saber do crack", dispara com o dedo em riste.

O maquinista inicia o comboio. Sentados à minha frente, duas crianças, de 10 e 12 anos, alternam risos e olhares hipnotizados com o vaivém da venda de alimentos e bebidas. Estão com fome. Um deles acusa sede. Pede água à mãe. Ela nega. Manda tomar em casa. Ele resmunga entre os dentes enquanto segura figurinhas e se distrai jogando bafo com o irmão. "Tô com sede pra c…". Mais à frente, a mãe tira uma rara nota de R$ 2 do bolso e compra paçoquinha para ela, a filha caçula e os dois meninos. Uma é repassada ao mais velho. Ele nem abre. Queria água, mesmo.

O tal candidato a deputado estadual faz do vagão seu palanque eleitoral. Um cartaz imenso explica quem ele é e o que deseja, mas os meninos são pequenos retratos de um Brasil que não sabe ler. Incapaz de decifrar o cartaz, o mais velho cochicha de longe com a mãe: "Olha, ele é professor de jiu-jitsu". O rapaz estava de branco, nada a ver com artes marciais. Ela rebate. "É nada, menino!". Ele questiona: "O que é, então?". A mãe olha para o cartaz, não entende e diz. "Sei lá". Aquela cena dói na alma.

Vende-se de tudo no vagão. Há discursos e exibições mirabolantes. Uma enfermeira me diz que não cai mais no golpe. Acusa os produtos de serem roubados nas rodovias e revendidos no trem a preços módicos. Enquanto dedilha a tela do celular, chia que o trem está se arrastando. E com mau-humor carioca, compara: "Tartaruga é mais rápida".

A lentidão irrita. Faço o tempo passar associando cada estação ao futebol. Na parada em São Cristóvão, lembro de Leônidas da Silva. A pausa em Quintino, óbvio, Zico. Em Bento Ribeiro, recordo a origem de Ronaldo, o Fenômeno. Passa Madureira, do Tricolor Suburbano. Edson Passos, do Giulite Coutinho — casa do América. Entre uma associação e outra, um ambulante grita: "Olha a bomba". Era outro produto à venda. Hora de descer em Nova Iguaçu. Terra de Zinho, campeão da Copa de 1994. Hora de afagar as tias depois de testemunhar um pouco da vida como ela é no Ramal Japeri.

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