EDITORIAL

Visão do Correio: Mulher negra cobra fim das desigualdades

Celebrados ontem, o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-americana e Caribenha e o Dia Nacional de Tereza de Benguela são mais um momento de reflexão sobre questões que afetam as mulheres negras não só na América Latina e no Caribe, mas na maioria dos países. O racismo e a depreciação do feminino persistem e causam graves danos sociais e econômicos às negras — e aos negros também —, criando barreiras que precisam ser demolidas no cotidiano.

A data foi instituída no 1º Encontro de Mulheres Afro-Latino-Americanas e Afro-caribenhas, em Santo Domingo, capital da República Dominicana, em 1991. O intuito foi combater o racismo e machismo, uma vez que os movimentos negro e feministas, por mais legítimos que fossem, não respondiam satisfatoriamente às demandas das mulheres negras. No Brasil, o reconhecimento da data ocorreu em 2014, quando a então presidente Dilma Rousseff sancionou a Lei nº 12.987, nomeada como Dia Nacional Tereza de Benguela e da Mulher Negra — uma homenagem à líder do Quilombo de Quariterê, no Vale do Guaporé (MT).

Datas oficiais e leis são muitas no país. Torná-las realidade é a grande questão. As cotas raciais para o acesso à universidade e aos concursos públicos foram, após a abolição em 1888, a primeira medida de reparação pelos danos causados aos afrodescendentes ao longo dos últimos 134 anos. Ainda assim, legisladores e autoridades que as condenam tentam, sempre que podem, sabotar a aplicação das cotas raciais.

Além do racismo estrutural e de todas as formas de discriminação, as negras são vítimas do machismo, um dos principais gatilhos para o feminicídio. Nos últimos dois ano (2020/2021), em plena pandemia, 2.695 mulheres foram mortas pela condição de serem mulheres, sendo que 62% eram negras. Nos casos de homicídio, pretas e pardas também são maioria.

O Estatuto da Igualdade Racial foi outra conquista, mas falta muito para que seja aplicado como pretendiam os legisladores. As desigualdades ainda persistem. Algumas se dão por motivos fúteis, como a aparência da mulher, ou expressam o racismo ambiental, que leva em conta o espaço de residência, ou por homofobia, quando a orientação sexual é parâmetro para condená-la ao ostracismo, sobretudo, no mercado de trabalho. Esse desequilíbrio existe tanto no setor público quanto no privado, onde as mulheres negras em cargos de mando são raridade.

Como bem lembrou a advogada e ativista social Josefina Serra, em entrevista ao Correio (25/7), não faltam mulheres e homens negros capacitados e preparados para os mais diferentes cargos. "Mas eles têm medo que a gente tenha a caneta na mão. Querem continuar decidindo a nossa vida, principalmente a vida do povo preto, das pessoas que vivem em situação de vulnerabilidade. Eles que decidem a nossa vida e a nossa morte."

A hegemonia branca na definição de políticas públicas continua sendo algo sem sentido, quando mais 56% da população são pretos e pardos. Mudar esta realidade é uma luta sem previsão de fim. A transformação depende, em grande parte, da capacidade dos povos de matriz africana se organizarem para que isso ocorra, dentro dos limites fixados pelos marcos legais, tendo como inspiração a coragem e a determinação de Tereza de Benguela e de muitas outras mulheres e homens que se recusaram a ser escravos.

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