Visto, lido e ouvido

Artigo: Jô Soares e outros

Correio Braziliense
postado em 07/08/2022 06:00
 (crédito: ZE PAULO CARDEAL / GLOBO TV (BRAZILIAN TV CHANNEL) / AFP)
(crédito: ZE PAULO CARDEAL / GLOBO TV (BRAZILIAN TV CHANNEL) / AFP)

São mais verossimilhanças entre humoristas e políticos do que podemos supor à primeira vista. A começar pela diferença de mundos que cada um apresenta para sua plateia. Ambos necessitam da criação de personagens para se fazerem presentes e serem ouvidos. O humor brinca com a verdade e a política, com a mentira. Enquanto um busca a fantasia e o absurdo da realidade como ferramentas para se comunicar com o público, o outro trata a realidade com o absurdo da fantasia, prometendo o irrealizável. Tanto o humorista como os políticos anseiam pela aura natural do carisma, que a todos seduz, embora essa virtude mágica prefira a companhia dos cômicos, por sua sinceridade.

Política pode ter sua graça, quando levada a sério por seu autor. Já o humor só encontra o riso quando foge do compromisso com a seriedade e vira as costas para o mundo em preto e branco do politicamente correto. A política parece mais especializada em um tipo de humor negro, em que o bullying é a arma predileta, enquanto o humorista faz da troça ligeira e sem ofensas uma morada para o riso solto.

É preciso lembrar que em ambas as profissões ou ocupações de vida não é fácil se tornar um humorista ou mesmo um político de respeito. Trata-se de uma tarefa árdua essa de levar às multidões o ar fresco da risada ou a esperança de um mundo melhor à frente. A questão, aqui, é que a troça despreocupada não leva à desilusão de esperanças desfeitas que a política engendra. Rir da realidade absurda é a arte do humorista, rir-se da realidade dos eleitores é a artimanha da velha política.

O político passa a ser um humorista, no mal sentido, quando suas patifarias alcançam os píncaros da desumanidade. Humor negro é você se deparar com pessoas de idade e de cabelos brancos a ocupar as mais altas funções públicas e, de repente, elas são surpreendidas pela polícia e, para fugirem do flagrante, escondem milhares de reais em espécie dentro da cueca samba-canção, sendo logo desmascaradas. A piada sem graça fica por conta da impunidade e de uma Justiça que finge não enxergar mal feitos nos crimes da elite nacional.

Jô Soares, que agora desce do palco, foi um humorista completo. Possuía bagagem cultural e sabia escalar equipes eficientes. Transitava bem entre a literatura, o humor, o teatro e o jornalismo como poucos nesse país. Tinha, a exemplo de Ronald Golias, Anquito, Oscarito e outros poucos, uma forte aura de carisma, bastando sua presença para iluminar a plateia. Tinha sua graça e fazia dela seu ganha pão honesto. Sabia o que estava fazendo e tinha a tranquilidade daqueles que passam pelo mundo apenas distribuindo alegrias. É preciso destacar ainda o humor negativo de personagens que também ficarão na história do Brasil, como desengonçadamente engraçados, como a ex-presidenta, que até o título foi inventado driblando a língua materna. Admirava os ouvintes com seus improvisados discursos, saudando a mandioca ou empacotando vento. Era o terror dos tradutores, que não escondiam o constrangimento.

Até mesmo o ex-presidente e dono do Partido dos Trabalhadores pode ser considerado um grande humorista, quando encarnado em alguns de seus personagens folclóricos, ao criticar seus opositores dizendo que eles estariam destruindo tudo aquilo que eles próprios destruíram e outras sandices. Ou quando se comparava a Jesus ou mesmo afirmava que é o homem mais honesto do mundo. No país da piada pronta, o humor fica do lado sério das coisas, enquanto a política encarna o jeito brasileiro de fazer piada sem graça e humor sem cérebro.

 

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