Opinião

Artigo: Da marcha aos cultícios

Marcos Paulo Lima
postado em 20/08/2022 17:38 / atualizado em 20/08/2022 17:39
 (crédito:  Divulgação/Internet)
(crédito: Divulgação/Internet)

A Marcha para Jesus é uma interessante linha do tempo da disputa política pela simpatia da parcela cristã da população brasileira. Escrevo com a experiência de quem é evangélico e aderiu aos bons tempos do movimento no fim dos anos 1990, na Esplanada dos Ministérios. Participava enquanto o ato se mantinha fiel ao propósito original.

O projeto nasceu no coração de quatro líderes religiosos ingleses. Graham Kendrick, Gerald Coates, Roger Forster e Lynn Green. Eles são os autores do livro de 160 páginas March for Jesus. A obra tem até um carimbo vermelho retangular em inglês na capa que diz: The official history (A história oficial).

O plano era compartilhar com a comunidade inglesa, nas ruas, a experiência vivida entre quatro paredes nos templos. A missão: orar pelas cidades.

Em 1987, a primeira edição reuniu 15 mil pessoas sob chuva, em Londres. Atraiu 55 mil fiéis no ano seguinte. Sensibilizou a primeira-ministra Margaret Thatcher. A Dama de Ferro manifestou confiança em Deus enquanto fiéis intercediam pela terra da rainha.

Houve um boom em 1989. A Marcha conquistou 45 cidades. Uniu católicos e evangélicos em Belfast, na Irlanda do Norte. Em 1990, mobilizou 200 mil pessoas em 600 cidades da Grã-Bretanha. Nações de outros continentes, como os EUA, abraçavam a pacífica ideia.

A Marcha desembarcou no Brasil em meio ao avanço das igrejas neopentecostais. Em 1989, no primeiro pleito pós-redemocratização, os evangélicos representavam 10% do colégio eleitoral. Hoje, são 30%. Isso ajuda a entender o interesse maquiavélico — não religioso — seja da esquerda, centro, direita e outros tantos lados do jogo político, de se infiltrar, explorar, manipular e até simular religiosidade em púlpitos e trios elétricos em atos que arrastam multidões.

Projetos de lei oportunistas pipocaram. Tramitaram no Senado, Câmara e finalmente chegaram à mesa do então presidente Lula. Em 3 de setembro de 2009, o petista sancionou o Dia Nacional da Marcha para Jesus. Com data marcada: 60 dias depois da Páscoa. A cerimônia de assinatura rolou no Centro Cultural Banco do Brasil. Ungida para disputar as eleições de 2010 em defesa da sucessão de Lula, Dilma Roussef estava lá com Michel Temer e pastores. Em 2015, o então governador tucano Geraldo Alckmin, hoje parça de Lula, fez média ao estipular o feriado de Corpus Christi como data da Marcha em São Paulo.

Chegamos ao tempo em que a Marcha para Jesus deixou de ser para Ele. Vivemos a era dos "cultícios", uma desagradável mistura de culto e comício. Assim como os antecessores, o atual presidente, Jair Bolsonaro, usa e abusa do evento como palanque eleitoral. Escrava do interesse alheio, uma fatia numerosa da igreja se curva. Esquece do que disse, um dia, o pastor batista e ativista Martin Luther King: "A igreja não é a senhora ou a serva do Estado, mas, antes, sua consciência. Ela deve ser a orientadora e a crítica do Estado — nunca sua ferramenta!"

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