ANDRÉ GUSTAVO STUMPF - Jornalista (andregustavo10@terra.com.br)
Portugal não foi à guerra. Portugal mudou-se. O Rei D. João VI abandonou seu país em novembro de 1807 e buscou abrigo no Brasil para onde se transferiu com a família real, cerca de 15 mil pessoas. Fugiu das tropas de Napoleão, comandadas pelo general Androche Junot, que invadiram as terras lusitanas. A partir daí o centro do Império passou a viver como colônia da colônia até a Revolução do Porto, de 1820, que obrigou o monarca a retornar a Lisboa e tentou reverter o Brasil à condição de dependente da matriz. As tensões de um e outro lado do Atlântico resultaram na Independência do Brasil.
A história é assim contada de maneira rápida. Há ingredientes interessantes. Os ingleses, que gostam muito de dinheiro e são negociantes espertos, fizeram a escolta do comboio português que atravessou o Atlântico. E apresentaram a conta. O primeiro ato de D. João VI em terras da colônia portuguesa no Atlântico Sul foi abrir os portos às nações amigas, ou seja, à Inglaterra. O ato foi assinado ainda em Salvador, em 1808, a primeira escala depois da tumultuada viagem desde Lisboa em navios superlotados, com baixo conforto, comida ruim e sem banheiros. D. Maria I chegou ao Brasil careca. Teve que raspar a cabeça por causa de piolhos.
Na realidade, os ingleses tomaram conta da antiga colônia portuguesa. Ganharam várias regalias, além de vasto mercado consumidor. Desfrutavam de extraterritorialidade. Só podiam ser julgados por sua própria justiça no Brasil. Dispunham também de vantagens alfandegárias e livre acesso ao Imperador. Foi o almirante Thomas Cochrane, mercenário escocês, que garantiu a independência brasileira ao ameaçar bombardear Salvador, em julho, e Belém do Pará em agosto de 1823. Ele já havia prestado serviços remunerados no Chile e no Peru para rebeldes contra o domínio espanhol.
D. João VI retornou a Portugal. Em 1822, D. Pedro I, já reconhecido como Imperador do Brasil, partiu em viagem a São Paulo para contemporizar com províncias que estavam insatisfeitas com a situação política. No trajeto, nas proximidades do Rio Ipiranga, recebeu correspondência de D. Leopoldina, que permaneceu no Rio de Janeiro encarregada dos negócios de Estado, enquanto o marido viajava. Ela reuniu o Conselho de Ministros e avançou no caminho de romper os laços com a matriz. E enviou correspondência ao Imperador para dar ciência dos fatos.
As cartas alcançaram o Imperador nas margens plácidas do Ipiranga. Foi nesse momento que D. Pedro I teria dado o famoso grito Independência ou Morte. Não se sabe se o grito foi exatamente esse. O que se sabe é que ele estava montado numa mula e parado à beira do riacho acometido de cólicas intestinais. Mas valeu a intenção. Portugal só reconheceu a Independência do Brasil em 29 de agosto de 1825, sob a condição de os brasileiros pagarem a dívida de dois milhões de libras esterlinas dos portugueses com bancos ingleses. O Brasil nasceu com dívida externa. Pedro I era uma pessoa diferente do que se espera de um imperador. Aos 23 anos, casado há pouco tempo, o príncipe era mulherengo, farrista, que gostava de música e detestava o confinamento dos salões. Colecionava amantes. A mais famosa delas foi Domitila de Castro, a Marquesa de Santos, mas o monarca engravidou também a irmã dela, ou seja, a própria cunhada por via extraconjugal. O Imperador assustava os estrangeiros por sua excessiva informalidade, talvez vulgaridade no trato com as pessoas. O Brasil começou assim.
Mas seu irmão, D. Miguel, deu um golpe de Estado e assumiu o poder em Portugal. D. Pedro I renunciou em favor do filho D. Pedro II, o primeiro imperador nascido nas Américas, que iria governar o Brasil por quase 50 anos. Retornou ao arquipélago dos Açores e depois para a cidade do Porto, onde organizou a resistência até tomar o poder. Tornou-se Pedro IV em Portugal e renunciou em favor da filha Maria da Gloria. Morreu em seguida. Dessa confusão toda resultou o Brasil, que comemorou 200 anos de independência presidido por um personagem quase tão instável quanto Pedro I. Falta-lhe, contudo, a grandeza política e a competência musical (compôs o Hino da Independência). O atual governante, descuidado, não se preocupou nem em organizar comemorações do Bicentenário da Independência. Do homem que libertou Brasil de Portugal restou o coração, mantido em formol, na Igreja Nossa Senhora da Lapa na cidade do Porto, que esteve exposto à visitação pública no Itamarati. D. Pedro I teve 43 filhos, dos quais 21 reconhecidos. O último deles com Ana Augusta Toste, freira do Convento de São Gonçalo na Ilha Terceira, Açores. Os fatos indicam que o coração não é a parte do corpo que melhor representa D. Pedro I.
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