rainha Elizabeth II

Artigo — Sobre ser e parecer: somos sempre versões

Em algum lugar do passado, uma pessoa me disse que só me conheceu inteiramente quando assistiu aos filmes que eu amava. Scarlett O'hara, de E o Vento Levou..., ainda me representa quarenta e cinco anos depois da primeira vez que a vi na telona do Cine São Luiz, em Recife — não só ela, é claro. Lembrei disso ao ler textos, crônicas, posts e obituários que se seguiram ao anúncio de morte da rainha Elizabeth II.

Quem era Elizabeth? Para uma pessoa com a intimidade presa nos grilhões da monarquia, talvez ela seja a imagem que fizeram dela. E essa interpretação pode ser real e equivocada ao mesmo tempo.

Dela, podem dizer que foi ícone de moda. Símbolo de realeza e discrição. Guardiã impiedosa de um sistema monárquico. Que foi uma mãe, avó e bisavó de todos os seus súditos. Que nunca se divertiu; que bebericou seu gim a vida toda; que foi espartana nos ritos.

A rainha Elizabeth II é uma inesgotável fonte de inspiração para a biografia que quisermos escrever. Embora existam verdades sobre ela, será sempre uma personagem, uma história a ser contada sob muitos pontos de vista diferentes.

Mas talvez nós todos sejamos também uma história a ser contada de formas diversas. No olhar do outro, somos aquilo que parecemos ou o que entregamos sem perceber aos mais próximos e atentos. Particularmente, eu gosto mesmo de parecer o que sou.

Sou os documentários, livros e séries sobre política e jornalismo. Sou os filmes épicos e antigos. Sou os musicais em preto e branco. Sou o cheiro da notícia chegando de longe e o "parem as máquinas". Sou a Anunciação, música de mamãe e de Alceu Valença. Sou a camisa amarrotada do Santa Cruz. Sou a risada dos memes. Sou o passo a passo do Caminho de Santiago e dessa Brasília todinha. Sou a fé que visito onde quer que eu vá.

São algumas pistas de uma biografia que podiam escrever sobre mim — e seria verdade. Entendo que podem haver outras versões de mim mesma circulando por aí, muito poucas, pois estou longe de ser figura pública e gozar de popularidade que valha qualquer esforço de definição.

O legado de Elizabeth II é também imagético, talvez muito mais do que qualquer outra coisa. Assim como o semblante de Lady Di e seu olhar nas fotos serão nossas maiores lembranças. Como jornalista, amo as histórias reais. A verdade é o que liberta a gente, o país, a nação e o planeta. Mas, na maioria das vezes, o que temos são versões. Dê suas pistas por aí. Pode ser que suas versões fiquem mais próximas do real.

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