Editorial

Visão do Correio: Extrema-direita é ameaça à Europa

Não é de hoje que esse movimento extremista vem ganhando corpo na Europa. Deu as caras na França, na Alemanha, na Áustria e na Espanha. Alojou-se no comando de países periféricos, como Hungria e Polônia

Há motivos de sobra para o comando da União Europeia e o restante do mundo civilizado verem com muita cautela a vitória do partido da ultradireitista Giorgia Meloni, o Irmãos de Itália, nas eleições realizadas no domingo. Ainda que a futura primeira-ministra, que foi formada na escola do fascismo, tenha moderado o tom nas últimas semanas de campanha e contrariado um de seus principais aliados, Matteo Salvini, e se posicionado contra a Rússia na invasão à Ucrânia, sua gestão é uma incógnita. E, mais importante, não se sabe até que ponto ela está disposta a trabalhar por uma Europa dominada pela extrema-direita.

Não é de hoje que esse movimento extremista vem ganhando corpo na Europa. Deu as caras na França, na Alemanha, na Áustria e na Espanha. Alojou-se no comando de países periféricos, como Hungria e Polônia. Avançou sobre o governo da Suécia e já tem a terceira maior bancada no Parlamento de Portugal. Agora, dará as cartas na Itália, 100 anos depois de Benito Mussolini ascender ao poder por meio do movimento denominado a Marcha sobre Roma. Foi dali que nasceu o fascismo no qual vários países bebem na fonte e cujo lema é "Deus, pátria e família".

Terceira maior economia da União Europeia e uma das fundadoras da zona do Euro, a Itália não pode ser olhada com descaso. Muito pelo contrário. Como ressaltou o escritor Roberto Saviano, a ascensão da ultradireita italiana assusta por muitos motivos. O país sempre foi um tubo de ensaio para aberrações que custaram caro ao mundo. Gerou Mussolini antes de Adolf Hitler. Foi o nascedouro do terror esquerdista com as Brigadas Vermelhas, onda que varreu a Europa nos anos de 1970. Pariu Silvio Berlusconi e o Movimento 5 Estrelas, embriões de Donald Trump.

São muitas as justificativas apontadas por especialistas para explicar a vitória da extrema-direita na Itália e seu crescimento na União Europeia. O país a ser chefiado por Giorgia Meloni é o mais afetado pela imigração, alimentando a xenofobia e o racismo. O empobrecimento da população é claro, e os mais atingidos, homens da classe média baixa, culpam os "estrangeiros invasores por seus martírios". A Itália não cresce há décadas, carrega uma dívida pública imensa e enfrenta o inverno demográfico, ou seja, o envelhecimento da população. Mais recentemente, deparou-se com uma elevada inflação, que atormenta as famílias. Muitos desses problemas se replicam pela Europa.

A cúpula da União Europeia, que busca manter a região aberta à imigração e à integração e tenta evitar a implosão do modelo de bem-estar social construído no pós-guerra, acredita que tem instrumentos para evitar uma ruptura da Itália com o bloco. O país foi contemplado com um plano de socorro de 200 bilhões de euros (R$ 1,1 trilhão) e é beneficiado por um mecanismo que limita os juros que incidem sobre um endividamento que supera os 150% do PIB. Abrir mão disso significa empurrar a Itália para o abismo, o que não interessa a Meloni, pois resultaria na sua queda.

Nada disso, porém, garante que a extrema-direita italiana se comportará dentro dos limites. Há um movimento coordenado por trás dessa radicalização, que levou, por exemplo, ao Brexit, a saída do Reino Unido da União Europeia. Esse processo de desestruturação da Europa interessa, sobretudo, a Vladimir Putin, o todo-poderoso da Rússia e amigo de primeira hora de dois dos principais aliados de Meloni, Salvini e Berlusconi. Para Bruxelas, onde está o comando da UE, a hora é de manter os pés no chão e dar um voto de confiança ao futuro governo da Itália. Mas é confiar desconfiando, pois a extrema-direita não brinca em serviço.

 

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