VIOLÊNCIA

Artigo: Armas de destruição

Cida Barbosa
postado em 13/10/2022 06:00
 (crédito: Pacifico)
(crédito: Pacifico)

Júlio César, 15 anos, não teve a menor chance ante um colega de turma armado dentro da escola em Sobral (CE). Baleado na cabeça, morreu no sábado passado. Outros dois estudantes atingidos sobreviveram ao ataque. O atirador, também de 15, usou a arma de um homem com registro de CAC (colecionador, atirador desportivo e caçador).

Em setembro, um covarde matou a mulher e o filho, de 2, com uma carabina, em frente a uma escolinha de São Paulo. O irmão da criança, 5, assistiu a tudo. O criminoso usou uma carabina. Ele tinha registro de CAC.

Na cidade de Jacareí (SP), um menino, 8, matou o cunhado com um tiro acidental na cabeça. A arma estava no banco de trás do carro do homem, que tinha licença de CAC. O caso aconteceu em agosto. Um mês antes, em Ferraz de Vasconcelos (SP), um garoto, 9, pegou a pistola do pai — também CAC — e acabou disparando sem querer contra a própria cabeça. Ele não resistiu ao ferimento.

No fim de setembro, em Macapá, uma criança, de três anos, atingiu o irmão gêmeo com um tiro na cervical. O garotinho está internado em estado grave. A arma é do pai, um CAC, que se preparava para ir a um clube de tiro.

No município de Formosa, um CAC disparou acidentalmente a espingarda e acertou o peito do filho único, 11. Desesperado, o homem tentou cometer suicídio atirando contra o próprio rosto, mas foi socorrido e sobreviveu. O bilhete que ele escreveu é comovente: "Foi um acidente. Matei meu filho. Deixa eu morrer". A fatalidade aconteceu em maio.

Um país que arma a população patrocina crimes e tragédias assim. E o perigo só aumenta. Até julho, o número de armas em poder de CACs já tinha passado de 1 milhão. Desde dezembro de 2018, a quantidade saltou de 350.683 para 1.006.725 — elevação de 187%. Os dados são do Exército, obtidos pelos institutos Sou da Paz e Igarapé, por meio da Lei de Acesso à Informação.

Este governo adotou uma série de medidas para abrandar normas de porte e posse de armamento a civis. Hoje, por exemplo, CACs podem fazer uma farra: atiradores conseguem registrar até 60 armas, caçadores têm direito a 30 e colecionadores as adquirem sem limites.

Facilitar o armamento da população foi promessa de campanha do presidente da República — esta, sim, cumprida. Em nome da proclamada "autodefesa", abriu passagem para toda sorte de violência. Com mais armas nas mãos de civis, por óbvio, maior o risco de assassinatos e acidentes. Se não houver um freio nessa sanha, caminhamos para nos tornar uma pátria armada, com todas as suas sombrias consequências.

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