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Artigo: O poder da política

Correio Braziliense
postado em 25/10/2022 06:00
 (crédito: kleber sales)
(crédito: kleber sales)

ANDRÉ GUSTAVO STUMPF - Jornalista (andregustavo10@terra.com.br)

Política é fascinante porque tem o poder de mudar os rumos de uma sociedade. O presidente Juscelino Kubitschek implantou a indústria automobilística no Brasil e decidiu transferir a capital da República do Rio de Janeiro para o Planalto Central. Uma das consequências da implantação da indústria automobilística foi o surgimento de sindicatos dos metalúrgicos. As corporações de ofício surgidas em São Paulo ganharam musculatura para negociar com patrões — a maioria deles constituída por estrangeiros — que sabiam tratar com trabalhadores.

Dentro do movimento sindical apareceram líderes, radicais ou pragmáticos. Entre os pragmáticos, os que lutavam por melhores salários e condições de trabalho, estava um pernambucano, fugido da seca de Garanhuns, que chegou a São Paulo a bordo de um caminhão pau de arara. Fez carreira política. Lula foi longe. Se não houvesse indústrias, não haveria sindicatos.

A construção de Brasília abriu um espaço então desconhecido para os brasileiros: o centro-oeste, o imenso cerrado plano com árvores tortas, muita água e sua longa temporada de seca. Durante muito tempo, essa terra, que é uma enorme porção do território nacional, foi considerada inservível. Não tinha valor. Até que o jovem Alysson Paulinelli tomou posse no Ministério da Agricultura no governo Geisel e decidiu incentivar a agricultura tropical. Até então, a agricultura era restrita a clima temperado ou frio. O país importava comida. Soja, no Brasil, era produto do Rio Grande do Sul e do Paraná.

A Embrapa desenvolveu estudos e mexeu na composição das sementes. Surgiu uma soja tropical, perfeitamente adaptada ao cerrado. A terra plana permite a utilização de tratores e todos os equipamentos necessários para produzir com alta produtividade. Em questão de algumas décadas o panorama do interior brasileiro, antes pobre e largado, se modificou. Gaúchos e paranaenses se soltaram pelo interior do país. Hoje as plantações de soja e outros grãos começam no sul de Goiás e chegam perto do oceano Atlântico no Piauí. E dominam o oeste da Bahia.

Todo o interior é utilizado para pecuária e agricultura. O Brasil descobriu o Centro-Oeste e o Noroeste. Novas rodovias e ferrovias levam a produção aos principais centros comerciais do planeta. Surgiu um Brasil que não existia antes de 1980. Assim como a indústria automobilística gerou um país que não existia antes de 1960. O novo momento econômico ocorrido teve consequências políticas. O PT administrou seu período com dois governos de Lula e um de Dilma Rousseff. Antes, os políticos que combateram o governo militar apoiaram os dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso.

O momento de agora é de outra transição. Na música, o sertanejo substituiu a bossa nova e assemelhados. No futebol, Goiás colocou dois times na primeira divisão do campeonato brasileiro e Mato Grosso emplacou um, o Cuiabá. Ninguém poderia prever o fenômeno anos atrás. É o dinheiro originário das grandes safras milionárias, negociadas em dólares, desde a mais remota cidade do interior brasileiro com as principais bolsas de valores do mundo. O agricultor agora emprega trabalhadores qualificados, utiliza tecnologia de ponta, drones controlados por internet, dirige carro importado de última geração e sustenta boa parte do produto interno bruto do país.

A eleição do próximo dia 30 é a fotografia perfeita da colisão de dois períodos históricos. A indústria passa por um processo de redução de influência, enquanto o agronegócio explode na economia, na música e até no futebol. Na política, Bolsonaro não entendeu a mudança do vento. Ele ainda está preso ao passado. Preferiu ser porta-voz informal dos militares, derrotados na anistia de 1979, que lutaram pelo regime autoritário, defenderam censura, tortura e a retórica de combate aos comunistas. A questão é que o comunismo também mudou. Tornou-se capitalista. Esse discurso se esgotou.

Lula sabe que é sua última chance. Ele não tem sucessores dentro do partido. Seu eventual governo precisará perceber a mudança para obter sucesso. Nada será como antes. Quem olhar para o futuro vai enxergar em Romeu Zema, em Minas Gerais, ou Tarcísio de Freitas, em São Paulo, possíveis candidatos em 2026. E, na oposição, surge Simone Tebet, que vem de Mato Grosso do Sul, região de pecuária próspera e do agronegócio. Uma geração virou a página da política.

JK trouxe a indústria e provocou o efeito colateral do surgimento dos sindicatos. Geisel proporcionou o aparecimento do poderoso agronegócio. A política modificou o país. Mas, neste segundo turno, os dois candidatos representam o passado. É uma disputa entre rejeitados. O eleitor é convidado a votar no que passou e não apostar no futuro. No caso, os políticos fracassaram.

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