Opinião

Artigo: Dunas da Gal

Certo dia, cheio de timidez, eu me aproximei de Gal e falei da admiração que tinha por ela. Recebi como resposta um largo e belo sorriso — sua marca registrada

Irlam Rocha Lima
postado em 15/11/2022 06:00
 (crédito:  Bob Wolfenson/Divulgação)
(crédito: Bob Wolfenson/Divulgação)

Em janeiro de 1972, logo após receber o diploma do curso de jornalismo da Universidade de Brasília (UnB), eu me dei de presente uma viagem ao Rio de Janeiro — a primeira que faria àquela cidade — em pleno verão. Ao chegar lá, tomei conhecimento que o grande sucesso da programação artística era Fa-tal, show de Gal Costa que cumpria temporada no Teatro Teresa Raquel, num shopping da Rua Siqueira Campos, em Copacabana.

Fui assisti-la. Encantado, ouvi Gal, com sua voz cristalina, passear por um repertório bem diversificado e interpretar composições da MPB tradicional como Antonico (Ismael Silva), Falsa baiana (Geraldo Pereira) e Assum Preto (Luiz Gonzaga); e também canções com a assinatura de autores contemporâneos, entre as quais Sua estupidez (Roberto e Erasmo Carlos), Como dois e dois (Caetano Veloso), Charles Anjo 45 (Jorge Ben) e Vapor barato (Jards Macalé e Walli Salomão).

Fa-tal possibilitou também lançar novos compositores. Fez isso ao cantar Dê um rolê, de Moraes Moreira e Luiz Galvão, integrantes do Novos Baianos, grupo que acabara de desembarcar no Rio; e Pérola Negra, escrita por Luiz Melodia, recém-descoberto no morro do Estácio. O registro ao vivo do espetáculo se tornaria um dos discos mais icônicos da história da música popular brasileira.

Com Caetano Veloso e Gilberto Gil exilados em Londres, a musa da Tropicália representava os amigos, os idealizadores do movimento, e surgia como uma grande estrela, que ocupava espaços generosos nos cadernos de cultura e entretenimento da imprensa carioca. Contribuiu para isso também um outro fato. À época, estava sendo instalado na praia de Ipanema a estrutura para obra de um emissário submarino.

A montanha de areia que se formou no local acabou recebendo o nome de pier. O país vivia sob o trauma e a truculência da ditadura militar e aquele espaço, que passou a ser chamado de Dunas do Barato, tornou-se um oásis de liberdade, frequentado por poetas, compositores, cantores, atores, surfistas e hippies.

Mas, logo em seguida, o lugar ganhou outra denominação: Dunas da Gal. Isso porque a diva era o centro das atenções. Em torno dela se reuniam Caetano Veloso — que acabara de retornar ao Brasil —, Jards Macalé, Jorge Mautner, José Wilker e Lennie Dale, entre outros famosos.

Curioso e cheio de admiração me juntei a eles durante a permanência no Rio. Certo dia, cheio de timidez, eu me aproximei de Gal e falei da admiração que tinha por ela. Recebi como resposta um largo e belo sorriso — sua marca registrada. Naquela hora, obviamente, não intuía que tempos depois iria conversar com ela e entrevistá-la incontáveis vezes, além de, com o mesmo encantamento, ouvi-la cantar em shows nos mais diversos palcos do país. São momentos que ficarão guardados para sempre na minha memória afetiva.

Obs. Soube ontem, que a prefeitura do Rio de Janeiro vai instalar uma escultura de Gal Costa na Orla de Ipanema, no local onde existiu as dunas que receberam o nome da estrela da MPB.

 


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