Opinião

Visto, lido e ouvido: Coisa pública

Numa república, tomada ao pé da letra, a partir dos estatutos legais que a define, absolutamente tudo, incluindo o Estado, o governo, os poderes, pertence e deve ser, como tal, considerado coisa pública

Circe Cunha (interina)
postado em 04/12/2022 06:00
 (crédito:                  )
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De certa forma, pode-se afirmar que uma das principais causas, capaz de explicar a atual e profunda crise entre os poderes do Estado, reside num pequeno e simples fato: a maioria dos ocupantes das três instituições desconhece ou finge não compreender o real sentido do que vem a ser uma república. Ignora ou despreza seu sentido, pois, assim, podem agir acima ou aquém das leis que definem uma república. Numa república, tomada ao pé da letra, a partir dos estatutos legais que a define, absolutamente tudo, incluindo o Estado, o governo, os poderes, pertence e deve ser, como tal, considerado coisa pública. Desse modo, a república é aberta ao livre escrutínio dos cidadãos. Com isso, a transparência é tomada como a alma cristalina do Estado.

Sem esse poder translúcido, capaz de permitir a passagem da luz em todos os seus meandros, nada nem ninguém está imantado pela natureza do que vem a ser uma república. Para aqueles que estão ante do Estado a situação é a mesma: devem possuir uma moralidade transparente, aberta à inquisições de toda a espécie. Vendo por ângulo, a crise que nesse instante parece tomar conta do país, tem sua fonte na falta de transparência dos atos e decisões tomadas pelas elites instaladas nos altos postos da República.

O cidadão que vive absolutamente à margem das decisões de Estado que, negociadas ao pé do ouvido, em conchavos e entendimentos feitos atrás de portas fechadas, ou nos inúmeros balcões de negócios que se estabelecem nas áreas de sombra de cada um dos Poderes, não só desvirtuam o sentido de república, como contribuem para sua falência. Primeiro, desperta o descrédito entre a população, depois colocada os Poderes uns contra os outros, em busca de vantagens que distam léguas do que seria moralmente aceito.

Até as leis privilegiam, aberta e exclusivamente, algumas classes de agentes públicos, concedendo-lhes vantagens financeiras, frontalmente contrárias a realidade das contas públicas e da população, o que obtém como consequência direta é a total desigualdade de tratamento, numa afronta aos princípios básicos da República.

Numa república, comme il faut, não há espaços para vantagens, privilégios, foros de prerrogativa ou outros instrumentos de diferenciação. Talvez, em nosso caso particular, tenha sido o fator político, ideológico e partidário, aquele que mais contribuiu para o desvirtuamento do sentido de república, dando-lhe um caráter disforme e mais próximo das miudezas e picuinhas da pequena polícia.

Ao ser transportada para dentro do Estado, a radiação prejudicial da política, a todos contaminou com seu ar pestilento, transformando toda a máquina pública, numa gosma nociva. Obviamente que para bancar os custos dessa deformação dos conceitos de República, seria preciso recorrer aos cofres públicos, retirando dessa poupança popular os bilhões de reais necessários para fazer avançar essa locomotiva desgovernada.

O que seria a administração pública correta, passa a absorver os aleijões da política, fazendo ruir todo e qualquer sentido de gestão do Estado. Quando ocorre, como é hoje nosso caso, da república perder seu sentido original de coisa pública, posto à disposição do bem comum, sem privilégios, sem opacidade do Estado, o resultado dessa distrofia é uma república aleijada, incapaz de cumprir seus objetivos e, como tal, prejudicial ao cidadão, tornado escravo de uma verdadeira máquina de moer carne humana.

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