meio ambiente

Artigo: Carbono, biodiversidade e água modelarão a agricultura do futuro

MAURÍCIO ANTÔNIO LOPES
postado em 11/12/2022 06:00
 (crédito: Breno Fortes/CB/D.A Press)
(crédito: Breno Fortes/CB/D.A Press)

MAURÍCIO ANTÔNIO LOPES - Pesquisador da Embrapa Agroenergia

O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU indicou recentemente que a cada grau centígrado de aquecimento da Terra a produção agrícola poderá ser reduzida de 10 a 25%, ampliando o desafio de alimentar a humanidade no futuro. Humanidade que acaba de chegar a 8 bilhões e avança na direção de 8,5 bilhões em 2030 e 9,7 bilhões de habitantes em 2050. Razão de sobra para pensar seriamente na superação da crise climática e em novas formas de produzir alimentos para uma população que, além de numerosa, será cada vez mais bem informada e exigente.

A agricultura e o sistema alimentar ocupam posição singular na complexa equação da sustentabilidade, pois, a depender da perspectiva analisada, podem ser taxados de vítimas ou vilões. Vítimas porque o aquecimento da atmosfera, dos oceanos e do solo tornam o clima menos estável e previsível, o que impacta diretamente a produção de alimentos. E vilões porque a agricultura e o sistema alimentar são grandes emissores de CO2, metano e óxido nitroso; contribuem para a perda de habitats e biodiversidade, além de serem grandes usuários de água doce, recurso essencial cada vez mais escasso.

Ao analisar as emissões de gases, a perda de biodiversidade e o uso competitivo da água associados à produção, mobilização e consumo de alimentos, muitos têm questionado se distribuição de cultivos agrícolas está otimizada em todo o mundo. Escolhas do que e onde cultivar dependem de fatores complexos — de natureza ambiental, cultural, tecnológica e comercial, além de aspectos como origem dos cultivos, clima, solo, acesso a fertilizantes, irrigação, mecanização, materiais genéticos melhorados, etc. Fatores tantos que podem tornar difícil o melhor ajuste das áreas de cultivo à realidade climática e a demandas de sustentabilidade.

No último dia 10 de novembro a prestigiosa revista britânica The Economist publicou um artigo sobre o assunto, destacando a controversa visão de que realocação de áreas de produção de alimentos poderá se tornar necessária para ajudar a conter a crise climática no futuro. O texto destaca estudos que indicam ganhos decrescentes na produção dependente de inovações como fertilizantes e genética, concluindo que uma parte surpreendentemente grande das terras agrícolas é usada para cultivos que não maximizam ganhos nutricionais ou econômicos.

Um desses estudos, publicado na revista Nature Geoscience (10:919, 2017), concluiu que a distribuição de cultivos ao redor do mundo não atinge produção aceitável nem usa o recurso água de forma racional. Os autores modelaram configurações alternativas da paisagem agrícola, indicando a possibilidade de cultivos de sequeiro e irrigados produzirem alimentos adicionais para até 825 milhões de pessoas, com reduções no uso de água da chuva e de irrigação em 14% e 12%, respectivamente. A redistribuição de cultivos proposta otimizaria a produção sem necessidade de investimentos maciços em tecnologia moderna, sem perda de diversidade de cultivos, sem expansão de áreas cultivadas ou impactos negativos na qualidade dos alimentos.

Outro estudo, publicado na revista Nature Communications Earth Environment (3:49, 2022), produziu um mapa mostrando onde as principais culturas alimentares do mundo poderiam ser realocadas para maximizar a produção e minimizar o impacto ambiental. Os cientistas analisaram 25 cultivos que respondem por cerca de 77% da produção global de alimentos, avaliando rendimentos e impacto ambiental nos locais atuais de produção. Depois avaliaram combinações otimizadas de locais e impactos, concluindo ser possível aumentar a captura de carbono e a biodiversidade e reduzir drasticamente o uso de água potável, sem sacrifício da produção.

Os autores desses e de outros estudos semelhantes sabem que realocações drásticas da produção agrícola em escala global é algo utópico, impossível de se viabilizar em prazos curtos. E, embora essas previsões reflitam as melhores estimativas de como cultivos em regiões específicas serão afetados, elas são apenas previsões, certamente repletas de incertezas. Mas, ainda assim, tais estudos apontam razões suficientes para que os agricultores se protejam, ganhando capacidade para lidar com configurações mais diversificadas, complexas e sustentáveis de produção, o que os permitirá se ajustarem, quando necessário.

Um sinal de ajustes já necessários vem da União Europeia, que está prestes a implementar nova lei para impedir a entrada em seus mercados de commodities ligadas ao desmatamento. Os países da EU e o Parlamento Europeu ainda precisam aprovar formalmente a legislação, que abrangerá produtos como carne bovina, soja, café, madeira, cacau, etc. além de artigos derivados, como couro, chocolate, papel e outros. Implementada, a lei exigirá que empresas demonstrem que suas cadeias de suprimento não estão contribuindo para o desmatamento. Esse é um movimento que pode provocar uma reação em cadeia, inspirando outros países a seguir o mesmo caminho.

Garantir a segurança alimentar, adaptando-se às mudanças climáticas e preservando o meio ambiente se tornou desafio central para a humanidade. Desafio que torna premente ampliar a correspondência entre a agricultura e os preceitos da sustentabilidade — o que leva à conclusão óbvia de que fatores como carbono, biodiversidade e água se tornarão os principais definidores dos espaços a serem ocupados pela produção de alimentos no futuro.

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