Democracia

Artigo: Domingos de janeiro

Temos todo o mês de janeiro para meditar sobre os rumos da democracia nos países centrais, o que inclui os Estados Unidos (EUA) e a Rússia

Sacha Calmon*
postado em 29/01/2023 06:00
 (crédito: Caio Gomez)
(crédito: Caio Gomez)

Mais um ano se inicia cheio de surpresas, mas com a certeza de alento para os necessitados: Bolsonaro foi para Orlando. Uma volta negociada nos parece impossível. Bastaram a neutralidade das Forças Armadas e o receio de prisão real, para a ida do ex-presidente. Agora com um governo adverso, as coisas pioraram, porquanto inquéritos judiciais serão abertos e requerida a sua detenção, a meu ver erradamente.

Hoje, as democracias consagram a tripartição dos poderes em que pese o cesarismo, (Júlio César ousou ameaçar o "senatus romano" e acabou esfaqueado até pelo amigo Brutus). A história não é tão mestra como pensamos, o que estaria a pesar contra o ex-presidente! A restauração do Estado de Direito em sua plenitude, a cada eleição popular, é absolutamente necessária assim como os crimes de lesa-pátria, inadmissível que presidentes lutem por instalar-se no governo da nação para requerer poderes que a Constituição não lhes reconhece.

A América Latina, outrora useira e vezeira em pronunciamentos, não terá no Brasil nenhum porta-voz falando português. Chega-se ao poder pelo voto periódico e popular. Vox Populi — vox Dei relata o ditado que remonta à velha Roma dos Césares. A morte de Júlio tem sido propositalmente contada em seu prol, e não o contrário, ou seja, como uma aventura que lhe custou a própria vida, na medida em que buscava o poder unipessoal contra a boa prática dos costumes romanos.

Temos todo o mês de janeiro para meditar sobre os rumos da democracia nos países centrais, o que inclui os Estados Unidos (EUA) e a Rússia. Nunca será demasiado vincar que Putin fez carreira opondo-se ao socialismo real, o qual Gorbachev denunciou, seguindo-se Yeltsin e ele próprio, não em nome do socialismo, mas do capitalismo sob a influência do Estado, daí o apelido que lhe deram de autocrata (unir os autocratas e a Igreja Ortodoxa russa em prol do capitalismo de Estado).

Em verdade, Putin não representa o falecido socialismo real, mas o Estado russo e seus interesses geopolíticos, hoje carecedor de apoio e, pois, se aproximando da China. Tem muita gente pensando que a Rússia é um Estado socialista, baita falsidade em desfavor de uma análise ponderada do cenário internacional. Toda política externa se faz em prol dos interesses nacionais dos mais de 108 Estados soberanos que dividem o planeta Terra. É de se ver, v.g, como o ex-presidente Bolsonaro se uniu a Putin, assegurando os grãos a Rússia em prol dos nossos interesses, em detrimento da Ucrânia, uma nação que tem menos do que 40 anos (era parte da Rússia).

Robert H. Jackson no seu The struggle for judicial supremacy lançou a assertiva de que Marshall, "que entendia tanto de política quanto de leis", escolheu para lançar sua tese um caso em que Jefferson, então Presidente da República, tinha grande interesse partidário e no qual a decisão foi inteiramente favorável ao Executivo. A sua estratégia fora, realmente, magistral. Raul Machado Horta adjudica ao assunto interessantíssimos adminículos: o caso Marbury v. Madison, de 1803, favoreceu, finalmente, os desígnios de Marshall. Tratava-se de assunto de pequena importância, com origem na recusa dos republicanos de Jefferson de empossar modestos juízes de paz nomeados pelos federalistas de Adams, que nos últimos instantes de seu mandato presidencial nomeou algumas dezenas de juízes de paz. No açodamento das providências finais à transmissão do cargo a Jefferson, eleito por partido adverso, o secretário, na época o próprio Marshall, não teve tempo de providenciar o expediente necessário, deixando na mesa os atos de nomeação. Ali os foi encontrar o secretário Madison, sucessor de Marshall. Inteirado dos fatos, Jefferson ordenou que se expedissem apenas 25 atos, inutilizando os demais. Entre os prejudicados, figuravam Marbury e os três companheiros que recorreram à Suprema Corte, em 1801 (William Marbury, Denis Ramsay, Robert Townsend Hooe e William Harper), pleiteando um writ of mandamus contra o secretário Madison, para empossá-los nos cargos...!

Marshall admitiu à Justiça a pretensão. Preocupava-o a resistência do Executivo à decisão favorável da Suprema Corte. O caso, que não envolvia interesse material, colocou mais à vontade o Chief-Justice para firmar decisão de profundas consequências políticas. No exame do caso, Marshall invoca a inconstitucionalidade do artigo 13, da lei de 1789, no qual se basearam os recorrentes; artigo esse que deferia, à Suprema Corte, a faculdade de expedir, diretamente, writ of mandamus, em desacordo como o texto constitucional, que lhe conferiu, em princípio, jurisdição de apelação. "Inicialmente, os interessados deveriam postular seu direito perante uma das Cortes de Distrito, para, em grau de recurso, se cabível, submeter o caso à apreciação da Suprema Corte. Lançado o princípio, Marshall realiza uma retirada, no bom sentido militar, invocando a incompetência da Corte Suprema para decidir o caso concreto".

Obra de arte política, a sentença reconhecia o princípio do controle judiciário da constitucionalidade das leis!

*Sacha Calmon é advogado

 

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