EDITORIAL

Visão do Correio: Vigilância permanente contra as fake news

"Não existem fatos, apenas interpretações." A frase do filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900) costuma render discussões infinitas nas faculdades de jornalismo. A conclusão que normalmente se chega é que, no fazer diário de um veículo noticioso, é necessário ouvir todos os lados envolvidos em uma reportagem, o tanto quanto for possível. Também cabe ao repórter evitar ao máximo que suas preferências pessoais — partidárias, futebolísticas, literárias etc — surjam no texto. O objetivo é construir aquele que é considerado o principal bem de qualquer jornal, site, rádio ou televisão: a credibilidade, ou seja, a crença do leitor de que o material lido, ouvido e assistido por ele se aproxima ao máximo da verdade.

Como se já não bastassem todos os desafios que envolvem o trabalho de informar com correção e velocidade, nos últimos anos a imprensa tem se deparado com um novo problema: as fake news, literalmente notícias falsas, na expressão em inglês que ficou consagrada, e que se proliferam via redes sociais e aplicativos de mensagens como o WhatsApp. Elas são uma perversão de todas as boas práticas jornalísticas: costumam ser apócrifas, não trazem suas fontes e não ouvem vários lados. Também são pessimamente redigidas, dotadas de um tom alarmista e, não raro, acusando a imprensa de esconder ou ocultar a informação que está sendo divulgada na mensagem. Costumam partir de notícias verdadeiras para criar um mundo fantasioso, sem conexão com a realidade.

Tivemos uma mostra de como as fake news operam na última semana, quando a atriz Claudia Raia foi autorizada a captar R$ 5 milhões para a pesquisa, a montagem e a encenação de dois espetáculos, via Lei Rouanet — um alvo frequente de fake news, a ponto de o governo anterior paralisar a sua aplicação. Entre outros impropérios que circularam nas redes e nos celulares, ela foi acusada de desperdiçar dinheiro público, de ser favorecida pelo novo governo e até de usar a verba para se bancar após dar a luz — aos 56 anos, ela está grávida do terceiro filho, Luca.

Para que a discussão avance, cabe esclarecer o que é a Lei Rouanet. Oficialmente Lei Federal de Incentivo à Cultura, ela foi criada em 1991 com o objetivo de incentivar as manifestações artísticas do país. A lei permite que sejam deduzidos do Imposto de Renda devido parte dos valores investidos em projetos culturais aprovados pelo Ministério da Cultura. As empresas podem reservar até 4% do imposto devido, enquanto pessoas físicas podem mandar até 6%. Ou seja, são os patrocinadores quem decidem o que vai receber verba e ser realizado, já que se trata de renúncia fiscal, e não de repasse direto do Tesouro. Além disso, o processo de aprovação de projetos é extremamente burocrático, trabalhoso e rígido, e inclui diversas condicionantes e contrapartidas — Claudia Raia, por exemplo, terá que dar um curso de 40 horas sobre a prática de artes cênicas e o mercado profissional para atores.

Nenhuma das informações acima estará nas fake news. É que o objetivo delas não é informar. É criar, artificialmente, sentimentos de revolta e indignação, manter o leitor em um estado de alerta constante e atacar pessoas, reputações e instituições.

Para combater essas notícias falsas, o jornalismo não tem outro caminho a não ser dobrar a aposta nas diretrizes citadas logo no começo do texto: a busca incessante pela isenção e pela correção, nunca deixar de ouvir todos os lados envolvidos e sempre pensar, primeiro, no leitor, que deve ser reconquistado em um esforço diário e perene. Só assim será possível oferecer ao uma contribuição efetiva para tirá-lo do atual atoleiro de desinformação.

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