NULL
preconceito

Artigo: Nós e os outros

Foi sancionada lei que tipifica como crime de racismo a injúria racial -  (crédito: Reprodução/ Freepik)
Foi sancionada lei que tipifica como crime de racismo a injúria racial - (crédito: Reprodução/ Freepik)
postado em 06/02/2023 03:55

ILANA PINSKY - Psicóloga clínica e terapeuta familiar 

Um dos mecanismos mais comuns do discurso preconceituoso é generalizar o particular. O bê-á-bá da discriminação é conectar uma crítica ao comportamento ou atitude de um indivíduo a uma suposta característica específica da pessoa, como a religião, a cor da pele, a orientação sexual. Dizer, por exemplo, que "os negros" são ruidosos, se nosso vizinho coloca frequentemente seu aparelho de som em volume socialmente inaceitável é preconceito. Afirmar que tal ou qual povo é inculto, pois temos um conhecido avesso a manifestações culturais é preconceito. No caso dos judeus, a narrativa preconceituosa central, que parece estar se reativando ultimamente, é a de que não pertencemos.

Um bom exemplo desse discurso ficou evidente em entrevista recente dada pelo economista Paulo Nogueira. Ao criticar a indicação de Ilan Goldfajn ao Banco Interamericano de Desenvolvimento, Nogueira caracterizou o profissional como um não brasileiro (por ser judeu e por seu sobrenome "impronunciável") conectado a uma suposta rede de financistas internacionais judeus. O entrevistador, Luiz Nassif, ao defender as declarações de Nogueira após elas terem sido denunciadas como antissemitas por entidades judaicas, ampliou o tom preconceituoso das falas.

O lamentável episódio recentemente ocorrido no Brasil faz lembrar uma peça em exibição em Nova York. Escrita por Tom Stoppard, um dos maiores dramaturgos de teatro norte-americano, Leopolstadt, estreou na Broadway em outubro de 2022 com grande sucesso. Leopolstadt mostra uma família austríaca, de origem judaica, e sua transformação entre 1899 e 1955. Inicialmente próspera e muito integrada à cultura local, teve alguns de seus membros espontaneamente convertidos ao cristianismo.

No decorrer dos anos, vemos sinais de que o antissemitismo estava ganhando força, com repercussões cada vez mais claras para aquela família, em termos de prestígio, integração, acesso a bens materiais. A culminação foi o extermínio de grande parte de seus integrantes. Houve um processo de "rejudaização" do grupo, mesmo que contra a vontade de alguns de seus componentes. O nazismo não perguntava

quem era judeu, determinava isso a partir de seus critérios pseudocientíficos. Nós, na plateia, cientes do que aconteceu (é História), nos víamos afundados nas poltronas do teatro, encolhidos, aflitos, enquanto no palco a maioria dos líderes da família austríaca continuava em plena negação de que eles eram designados como "os outros", já que se percebiam tão austríacos como todos os demais.

Na maior parte da minha vida acreditei que o ódio declarado e genérico a todos os judeus, provocando desastres humanitários como o Holocausto, não aconteceriam de novo após a Segunda Guerra Mundial. A humanidade teria aprendido e evoluído. Judeus nascidos no Brasil após o Holocausto, como eu, foram pouco expostos ao antissemitismo explícito. Sim, de vez em quando ouvíamos piadas sobre a suposta

avareza dos judeus ("ah, mas vocês gostam de pedir desconto mesmo, não é?"), mas nada muito além disso. Muito eventualmente, algo sobre os nossos antepassados terem sido responsáveis pelo assassinato de Jesus Cristo (algo que tanto o catolicismo quanto outras religiões cristãs deixaram de apregoar, mesmo por se tratar de uma inverdade histórica).

Recentemente, no entanto, situações que banalizam o preconceito contra os judeus têm voltado a ocorrer. Nos Estados Unidos, em novembro, o ex-presidente Trump recebeu em sua residência dois antissemitas notórios, um deles que chega ao extremo de negar a ocorrência do Holocausto. E "represálias" começam a aparecer, espantosamente aceitas até em instituições universitárias, onde o debate intelectual, não o discurso preconceituoso, deveria prevalecer. Por exemplo, alguns grupos estudantis na Universidade de Direito de Berkeley, na Califórnia, proibiram, vetaram totalmente que pessoas defendam o Estado de Israel, possam expor sua opinião. Repito, na faculdade de direito, onde o choque de opiniões deveria ser normal.

Desconfiar do "outro", do estranho, do diferente, tem sido justificativa para a violência ao longo da História. De onde vem isso? A sensação de quão instável nosso mundo se encontra tem forte impacto no preconceito sentido e expresso. Em termos de seu desenvolvimento, pesquisas da psicologia social apontam que estereótipos e preconceitos são aprendidos por meio da comunicação e interação social.

Em parte, desenvolvemos nossas crenças por meio da percepção direta de grupos sociais. A solidificação ou enfraquecimento dessas crenças, no entanto, ocorrem por meio de nossa percepção do quanto essas crenças são compartilhadas com os outros. Novas normas para nossa sociedade, que não sejam anacrônicas, devem se concentrar na aceitação, independentemente de gênero, classe, religião, etnia.

 


<h3>Not&iacute;cias no celular</h3>

<p>O formato de distribui&ccedil;&atilde;o de not&iacute;cias do <strong>Correio Braziliense</strong>&nbsp;pelo celular mudou. A partir de agora, as not&iacute;cias chegar&atilde;o diretamente pelo formato <em>Comunidades</em>, uma das inova&ccedil;&otilde;es lan&ccedil;adas pelo WhatsApp. N&atilde;o &eacute; preciso ser assinante para receber o servi&ccedil;o. Assim, o internauta pode ter, na palma da m&atilde;o, mat&eacute;rias verificadas e com credibilidade. Para passar a receber as not&iacute;cias do <strong>Correio</strong>, clique no link abaixo e entre na comunidade:</p>

<li><a href="https://chat.whatsapp.com/IszYiY4kYGq1K9ETfYT75R" target="_blank" rel="noopener noreferrer">WhatsApp do <strong>Correio</strong></a></li>

<p>Apenas os administradores do grupo poder&atilde;o mandar mensagens e saber quem s&atilde;o os integrantes da comunidade. Dessa forma, evitamos qualquer tipo de intera&ccedil;&atilde;o indevida. Caso tenha alguma dificuldade ao acessar o link, basta adicionar o n&uacute;mero (61) 99666-2581 na sua lista de contatos.</p>


<h3>Cobertura do Correio Braziliense</h3>

<p>Quer ficar por dentro sobre as principais not&iacute;cias do Brasil e do mundo? Siga o <strong>Correio Braziliense</strong> nas redes sociais. Estamos no <a href="https://twitter.com/correio" target="_blank" rel="noopener noreferrer">Twitter</a>, no <a href="https://www.facebook.com/correiobraziliense" target="_blank" rel="noopener noreferrer">Facebook</a>, no <a href="https://www.instagram.com/correio.braziliense/" target="_blank" rel="noopener noreferrer">Instagram</a>, no <a href="https://www.tiktok.com/@correio.braziliense" target="_blank" rel="noopener noreferrer">TikTok</a> e no <a href="https://www.youtube.com/channel/UCK3U5q7b8U8yffUlblyrpRQ" target="_blank" rel="noopener noreferrer">YouTube</a>. Acompanhe!</p>

 

 

Gostou da matéria? Escolha como acompanhar as principais notícias do Correio:
Ícone do whatsapp
Ícone do telegram

Dê a sua opinião! O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores pelo e-mail sredat.df@dabr.com.br

-->