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Opinião

Artigo: Notas sobre negritude, saúde, coletivos e lutas

No Brasil, encontramos um racismo estrutural, como diz Silvio Almeida. Mas é necessário apontar também que o racismo é estruturante: é estruturante de nossas relações, de nossos modos de existir entre os outros e de existir conosco mesmos

pri-2506-opiniao opinião  -  (crédito: Caio Gomez)
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postado em 25/03/2023 06:00

IRAPOAN NOGUEIRA FILHO — Psicólogo, cientista, professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro

Nas próximas linhas, vou refletir sobre racismo e produção de saúde. Mas não vou realizar apenas uma descrição sobre como sofremos… Afinal, já se falou e se escreveu sobre isso. Sou psicólogo, cientista e professor. Interessa-me ir além da descrição do sofrer. Por isso, dentro do espaço deste artigo, farei uma introdução para contextualizar o racismo como produtor de adoecimento. Em seguida, esboço algumas notas, que serão desdobradas em quatro pontos: 1) abrir caminhos; 2) fazer encontros; 3) trocar histórias; 4) organizar as forças. Vamos lá!

No Brasil, encontramos um racismo estrutural, como diz Silvio Almeida. Mas é necessário apontar também que o racismo é estruturante: é estruturante de nossas relações, de nossos modos de existir entre os outros e de existir conosco mesmos. O racismo não está "apenas" nas violências da polícia ou do sistema hospitalar: o racismo mata sonhos de crianças pretas, joga à pessoa preta uma identidade que é escrita a partir de um referencial de perfeição definido como "branco".

Pessoas negras nascem, vivem e morrem em meio a práticas racistas. Cabe apontar que a ausência de acesso a uma educação formal — comum na população negra — funciona como obstáculo no acesso ao diagnóstico, ao tratamento e a ferramentas para buscar ajuda. A dificuldade de acesso a nutrição e sono adequados também gera toda sorte de adoecimentos e de transtornos mentais — e, por vezes, comorbidades. É uma trama complexa de precariedades que vão provocar os diferentes adoecimentos. Mas é necessário falar também das resistências, das criações e movimentos de vida entre nós, porque é por meio dessas duas ferramentas que vamos adiante, com avanços e sucessos.

Abrir caminhos, fazer encontros. O movimento negro é educador, como já disse Nilma Lino Gomes. Não apenas no sentido escolar: cuidamos dos nossos, dos filhos e netos dos nossos, damos orientações, auxílios, apoios... vivemos em redes colaborativas. Nossa existência é coletiva. E, se chamarmos quilombo a todo espaço e comunidade resistente criado por populações descendentes de africanos escravizados a partir de situações de resistência… toda vida preta tem potência de quilombo, por assim dizer. E grande parte desse movimento negro não é autonomeado enquanto tal: são grupos de mães que se organizam em rede de cuidado dos filhos, são grupos de jongos, são velhas guardas de escolas de samba… fazendo história e resolvendo questões locais e concretas.

Muitas dessas pessoas carregam a carga e o cansaço de lutas — e, frequentemente, a sensação de solidão nessa jornada. É necessário não apenas abrir caminhos para quem vem atrás, mas também fazer encontros. Reconhecer-se, trocar experiências. Existir em coletivos possibilita a retomada e expansão de nosso poder de agir. Nesse sentido, tenho organizado uma sessão temática em congressos da Associação Brasileira de Pesquisadores Negros que devo repetir em nosso congresso no Sudeste a ser realizado este ano: "Ações pela negritude: tentativas de ações e movimentos sociais transformadores e de pesquisas transformadoras e antirracistas".

Tenho procurado, nessa proposta, reunir as pessoas engajadas em ações concretas, independentemente de escolaridade, com objetivo não apenas de mostrar suas práticas, mas também colaborar uns com os outros e articular redes. Encontros são fortalecedores e geradores de potências coletivas de agir. Devemos praticá-los. Somos muitos, somos incríveis… resistimos até aqui, e continuaremos. Vamos trocar experiências, abraços, contatos, e reconhecimentos recíprocos.

Trocar histórias, organizar as forças. É necessário não apenas trocarmos nossas experiências entre nós, mas transmitir às novas gerações. Não sou um preto velho, mas sou um preto de meia-idade… num ponto onde percebo a presença nítida de distintos modos de fazer movimento negro. Aos mais jovens, recomendo a conversa com os nossos mais antigos. Aos mais antigos, convido a compartilhar seus saberes com os mais jovens. Com as mudanças socioambientais, fica cada vez mais evidente que temos de fazer e praticar essa existência coletiva: este país é a 12ª maior economia do mundo e foi construído sobre os ossos e sangue de nossos ancestrais. Encontrar e trocar histórias é necessário, para que possamos organizar nossas forças.

Organizar forças é mapear os saberes produzidos por todo nosso país. Mas, também, tornar esses saberes acessíveis à posteridade e tornar-nos acessíveis e visíveis uns aos outros. Ajamos!

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