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Opinião

Artigo: A difícil arte de governar

Comemorar os 100 dias de uma administração passou a ser um festejar obrigatório que molda a face do governo para os próximos tempos

pri-1004-opiniao Opinião -  (crédito: Caio Gomez)
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postado em 10/04/2023 06:00

ANDRÉ GUSTAVO STUMPF — Jornalista (andregustavo10@terra.com.br)

A comemoração dos 100 dias de governo faz referência ao curto período do retorno de Napoleão I ao poder, após a fuga do exílio na ilha de Elba. Ele chegou a Paris em 20 de março de 1815 e organizou seu novo governo. Mas as principais potências europeias, Inglaterra, Rússia, Prússia e Áustria, formaram uma coalizão, fizeram a guerra contra a França e colocaram o imperador francês no seu segundo exílio, na ilha de Santa Helena, onde ele morreu em maio de 1821.

Comemorar os 100 dias de uma administração passou a ser um festejar obrigatório que molda a face do governo para os próximos tempos. No governo Kennedy, nos Estados Unidos, o jovem presidente católico, cercado de assessores qualificados, inspirou reportagens sobre seus primeiros 100 dias. Todos os governos passam por essa prova. O presidente Lula instruiu seus ministros a produzir material específico para transformar a data em motivo de comemoração. A alavanca da publicidade oficial vai auxiliar o chefe do governo a difundir boa imagem sobre o seu trabalho nos primeiros três meses da administração. Pena que o governo não tenha conseguido especificar seus objetivos. Sua ação é cheia de promessas na área social. Não se sabe se vai haver dinheiro para sustentar tantos benefícios.

A missão do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, é descobrir onde estão os recursos que fazem falta ao governo. Ele já percebeu que as agências de apostas esportivas constituem um filão virgem. As apostas são, majoritariamente, processadas no exterior longe das garras da receita federal brasileira. Ocorre que esse pessoal quer pagar imposto e se legalizar no Brasil. É uma mina de ouro. Além de regularizar uma situação estranha no reino do esporte, principalmente do futebol, pode abrir o caminho para a legalização dos cassinos no país. Há vários lobbies atuando nessa direção. Brasileiros viajam ao exterior para arriscar a sorte no pano verde. Ou, pior, pedem cartas dentro do país em cassinos clandestinos, que, naturalmente, não pagam imposto.

O presidente Lula faz força. Ele desenterrou a legislação que cuida da área de saneamento. O governo quer buscar recursos na iniciativa particular, por intermédio de parcerias público-privadas, para movimentar o segmento. Os técnicos falam em dotar 99% das residências com água limpa e 90% com esgoto. Se chegarem à metade disso, terão feito bom trabalho. Em outra área estratégica, na educação, há movimento para rediscutir a reforma realizada pelo governo Temer. O ministro da Educação, Camilo Santana, que é do Ceará, estado com bom histórico na área educacional, pode fazer a diferença. Se o governo Lula avançar na área de educação e de saneamento, deixará importante legado.

Mas o presidente Lula não foge à sua história. Ele passou 580 dias preso na cadeia da Polícia Federal em Curitiba. Quase todos os dias, recebia pelas manhãs um sonoro "booom dia, presidente". Ao entardecer, ele ouvia "boooaaa noite, presidente". Essa turma, que enfrentou sol, chuva e frio, da qual a primeira-dama Janja faz parte, naturalmente foi a primeira escolha do presidente eleito para sua assessoria pessoal. O grupo tomou conta do Palácio do Planalto. Ela, que tem militância na área de cultural, foi quem lembrou o nome de Margareth Menezes para o Ministério da Cultura.

Brigas internas são inevitáveis porque os líderes do PT foram contidos. Gleisi Hoffmann permaneceu na Presidência do partido. Dilma Rousseff foi parar em Xangai, na China. A velha guarda não foi lembrada. Não há nas proximidades do presidente ninguém dos antigos governos, com exceção de Celso Amorim. O pessoal das antigas ficou pelo caminho. A discussão econômica opõe parte do partido ao ministro Haddad, que precisa lidar com outro foco de poder, Aloizio Mercadante, presidente do BNDES. Ele, além de alto dirigente do partido, é filho de general e irmão de coronel. Mas foi enviado para o exílio no Rio de Janeiro.

Os primeiros 100 dias são confusos porque o governo do presidente Lula passou por dificuldades teóricas e políticas ocasionadas pela prisão, traição de velhos amigos e o surgimento de novas amizades construídas na adversidade. Embora Lula seja o mesmo que já presidiu o país por duas vezes, antes não havia rancor, irritação e mágoa. Ao longo do tempo, vão surgir mediadores capazes de recolocar o bom senso no centro das preocupações presidenciais. Até o momento, prevalece a tentativa de governar sozinho porque ele, e só ele, foi o eleito. E contra feroz oposição.

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