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EDITORIAL

Visão do Correio: Câmara suprime direitos indígenas

O PL 490 abriu as porteiras para que mineradores, garimpeiros, desmatadores e grileiros se apossem das terras indígenas sem cerimônia

Manifestantes protestaram em frente ao Congresso: PL aprovado pelos deputados afeta 197 mil indígenas e 303 pedidos de demarcação    -  (crédito: Minervino Júnior/CB/D.A.Press)
Manifestantes protestaram em frente ao Congresso: PL aprovado pelos deputados afeta 197 mil indígenas e 303 pedidos de demarcação - (crédito: Minervino Júnior/CB/D.A.Press)
postado em 01/06/2023 06:00 / atualizado em 01/06/2023 06:00

Em primeiro de janeiro, a sociedade ficou emocionada com a representação da diversidade brasileira na rampa do Palácio do Planalto para entregar a faixa ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Mulheres e homens negros, indígenas, brancos, crianças e deficientes compunham a face do Brasil miscigenado e plural. Seis meses depois, a cerimônia foi rasgada, e confirmou-se a ilusão constitucional de que todos são iguais perante a lei. Nesta terça-feira, por 283 votos a 155, a Câmara dos Deputados — casa representante dos cidadãos — aprovou o Projeto de Lei 490, que dispõe sobre o marco temporal para a demarcação dos territórios indígenas ocupados até 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. Os deputados aprovaram uma lei ordinária para mudar a Carta Magna, em detrimento dos direitos indígenas e favorável aos interesses dos opositores dos povos originários.

Os deputados decidiram suprimir o direito dos indígenas aos seus territórios originários, embora eles estivessem aqui antes da chegada brutal dos colonizadores europeus. O espaço ocupado por esses povos, se totalmente reconhecido, representa menos de 14% do território nacional. Ou seja, 86% estão à disposição do poder público e da sociedade para que as políticas de Estado sejam capazes de eliminar a miséria, a fome e as tragédias sociais que impõem ao Brasil a eterna condição de "país em desenvolvimento". Em 523 anos, o Brasil não conseguiu chegar ao patamar de nação desenvolvida.

O PL 490, construído em base suspeita de ser inconstitucional, vai além. Abriu as porteiras para que mineradores, garimpeiros, desmatadores e grileiros se apossem das terras indígenas sem cerimônia. É questionável a afirmação do relator do projeto, Arthur Maia (União-BA), de que a lei chega para acabar com os conflitos por terras. Os embates dos indígenas contra seus predadores não vão cessar. Eles reagirão aos intrusos. Mas estarão desprotegidos, o que, como sempre, os tornam presas fáceis dos agressores. Os parlamentares ignoram o que ocorre na Terra Yanomami, no Vale do Javari e em outras aldeias asfixiadas por garimpeiros, desmatadores e grileiros. Os invasores têm arsenal suficiente para eliminar os povos indígenas, seja pelas armas, seja pela contaminação dos indivíduos com doenças, seja pela destruição da floresta e dos rios que lhes garantem alimentos.

A aprovação do PL 490 é mais uma derrota do governo do presidente Lula. Tanto durante a campanha eleitoral quanto depois de chegar ao Palácio do Planalto, ele reafirmou compromissos com a política ambiental e com os povos originários e tradicionais. Garantiu que coibiria o desmatamento das florestas, sobretudo, na Região Amazônica. Se Lula contava com o apoio dos legisladores, não levou a sério a composição do Congresso, dominado por representantes do agronegócio, dos anti-indígenas e dos antiambientalistas. Hoje, o descompromisso do parlamento com a questão ambiental é notório. A maioria é negacionista em relação aos fenômenos climáticos, que só podem ser mitigados com a preservação das florestas e com outras iniciativas que levem o país à adoção de uma economia verde.

Neste cenário, as populações indígenas e tradicionais têm relevante papel para a preservação do patrimônio natural. No Brasil que vive de esperanças que nunca se concretizam, resta a expectativa de o Senado fazer uma correção em que prevaleça o mandamento da Constituição. Conta-se ainda com o desfecho do julgamento do marco temporal pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em 7 de junho. É esperar para ver se a vida dos indígenas tem valor e importância para o Brasil, a fim de preservar a diversidade demográfica.

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