Vivemos dias de tristeza agônica com a partida do professor Luiz Gonzaga Figueiredo Mota, mais conhecido por Baga, e Alexandre Ribondi. Ambos amigos queridos, ambos ativistas, ambos vítimas do regime militar de 64 e da época de negatividades e de muita sintonia com o desafio de cuidar deste mundo, de lutar por mudanças, cada um em seu universo particular, mas juntos, juntíssimos nas convicções de que não há solução sem participação. Foi assim que vivemos os nossos melhores anos. Vivemos aquele momento em que ser jovem significava ter de enfrentar e recusar o mando, explicitar o inconformismo, ainda que sob os riscos de cair nas malditas manhas da repressão.
Os dois, como cada um de nós, perceberam aquele momento como espaço de luta irrecusável e assim foi edificada no coletivo uma moldura de intenções e gestos que marcaram a época, dos idos dos anos 1960, fundando na história as digitais da contestação armada pela paz nos rumos da contracultura e não mais da revolução. Obviamente, essa percepção demorou a ser percebida e não foi nada trivial.
O mundo de então era o nosso quintal. Choramos ante a violência da Guerra do Vietnam e antes nos chocamos com a barbárie do regime soviético, que feriu de morte a esperança revolucionária (aqui falo por mim mesmo) como via de transformação. E lembro como renovávamos nossas energias lendo, por exemplo, Dez dias que abalaram o mundo, do jornalista americano John Reed, sem nada saber dos horrores a que foram submetidos aqueles que pegaram em armas sob o embalo das promessas de liberdade, igualdade e de emancipação humana logo abandonadas pelos camaradas chefes.
Lembro ainda das horas e horas buscando a sintonia dos noticiários da Rádio da Albânia, transmitidos em português e embalados com músicas de nossos ídolos, principalmente do Milton Nascimento e Chico Buarque. Era um hábito catártico, quase um dever cívico.
Vivemos essa ilusão por anos. Fomos embalados por fake news, reverberadas, inclusive e principalmente, pelos difusores dessas fantasias nos dois polos. O clima de enfrentamento que dividiu o mundo depois da II Guerra Mundial e se instalou de vez com o advento da globalização das informações, como um câncer, impunha a compulsoriedade em escolher um lado.
Nós não tivemos escolha. As questões do mundo em fervura política nos levaram à resistência ao regime militar que durou o que durou, nos roubando a juventude. Não perdoaremos jamais. Após 88, estávamos, civilizadamente, conformados com o fim daquele período, mas a assombração está de volta com o ressurgimento dos militares na cena política de mãos dadas com lideranças políticas, de novo de costas para a história e, claro, com a irresponsabilidade da chamada reserva moral que se declara a favor da democracia.
Considero igualmente imperdoável que a esquerda (lembrando que nela estão PT e PCdoB), de novo delibere nesse campo orientada por interesses não declarados, temporais e descolados dos princípios mais nobres da política. Nesse ponto nem seria o caso de esperar uma ação baseada na lógica ou na causa do socialismo, mas da política mesmo, no sentido de uma sociedade justa como meta universal.
Baga e Ribondi nos tocam, em primeiro lugar pela proximidade. Conhecendo-os, sofremos pelo que representavam em nossas vidas e porque os perdemos. Mas, ao partirem, eles trouxeram de volta os aspectos relacionados com a nossa existência. Somos de uma geração (a geração 68) que se nutriu da esperança e foi à luta por ela como tinha de ser. Não imaginávamos que em tão pouco tempo teríamos uma força política à frente dessa alternativa de direita atrasada, com possibilidades reais de reassumir o controle político de nosso país pelo voto e projeto concreto para de novo segregar em nome de alguma coisa indefinida e perspectivas sombrias de um regime de negação e de sombras.
Morrer faz parte. Há até quem faça festa nessas ocasiões, desde que não sejam situações de morte matada por regramentos de opressão e cerceamentos, como os que já vivemos. Parte da tristeza desses dias tem a ver com as possibilidades que estão aí mesmo e podem se materializar com a cumplicidade inusitada daqueles que levaram porrada e hoje assopram os hematomas e relativizam as cicatrizes em nome do imediatismo que envenena as mentes hoje embriagadas pelo enganoso faz de conta de que não aconteceu conosco.
IJALMAR NOGUEIRA, jornalista
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