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Petroleo

Artigo: Um caminho a tomar

As companhias de petróleo podem continuar tentando empurrar a solução do problema que elas mesmas criaram, ou podem finalmente começar a fazer a coisa certa.

Estatal planeja turbinar exploração da Margem Equatorial, faixa de litoral que vai do Amapá ao Rio Grande do Norte  -  (crédito: Petrobras/Divulgação)
Estatal planeja turbinar exploração da Margem Equatorial, faixa de litoral que vai do Amapá ao Rio Grande do Norte - (crédito: Petrobras/Divulgação)
MARCELO COUTINHO
postado em 18/06/2023 06:00

O planeta está aquecendo e somos todos responsáveis por isso. Mas alguns são bem mais responsáveis do que outros. No topo da lista folgadamente estão as empresas de petróleo. Para não falar de décadas ganhando trilhões de dólares todos os anos, fiquemos apenas em mente com o lucro da saudita Aramco em 2022, mais de R$ 800 bilhões. Ou com o da Petrobras, que, a cada trimestre, lucra algo em torno de R$ 40 bilhões. É muito dinheiro que deveria ser usado agora para a transição energética.

As companhias de petróleo podem continuar tentando empurrar a solução do problema que elas mesmas criaram, ou podem finalmente começar a fazer a coisa certa. Toda essa indústria foi muito importante para o desenvolvimento do mundo desde os anos 1960. Porém, contaminou demais a atmosfera da Terra com dióxido de carbono e agora estamos começando a experimentar um futuro sombrio. A civilização só foi possível graças à estabilidade climática que agora o efeito estufa ameaça. E nem mesmo o lugar mais suntuoso do mundo escapa dos eventos extremos, como mostrou Nova York nublada pela fumaça das queimadas recordes fora de época da igualmente rica Toronto, no Canadá.

Os governos dos países desenvolvidos praticamente todos e a China já decretaram o banimento parcial da gasolina e do diesel para 2035 e sua proibição total em 2050. Isso não será negociado pelo simples fato de que ninguém mais acredita que as petrolíferas ou fabricantes de veículos se autocontenham, muito menos as empresas de carvão. Prometeram captura de carbono e medidas atenuantes, entregam cada vez mais poluição. Ano passado emitiram 36,5 bilhões de toneladas de CO², o que é uma verdadeira insanidade a esta altura. No fim do Paleoceno, 56 milhões de anos atrás, um brutal aquecimento do planeta aconteceu com vulcões emitindo entre 0,6 e 1,1 bilhão de toneladas de dióxido de carbono por ano. Hoje a humanidade emite mais do que isso a cada 10 dias.

Há muitos números apocalípticos pensando num futuro que de fato é assustador, mas a verdade é que a destruição já deu início. As tragédias climáticas pelo mundo, incêndios a inundações, aconteciam até os anos 1980 a cada 82 dias, agora acontecem a cada 14 dias. São cada vez maiores e mais frequentes. Dentro de 10 a 20 anos, o clima pode ficar inviável caso as indústrias que mais poluem não parem agora, sem procrastinação, sem mais uma tentativa de distrair a opinião pública e os tomadores de decisão com falsas promessas e discussões sem sustentação científica. A Petrobras tem um programa de transição energética, mas ao mesmo tempo quer de toda forma um poço novo na Foz do Amazonas. Já tornou público seu objetivo de bater mais recordes de produção, quase dobrando até 2029. Resta saber se haverá mundo depois disso.

Boas iniciativas no exterior começam a ser desenvolvidas pelas petrolíferas, mas ainda é pouco, muito pouco. É tão pouco que mais parece outra protelação, alegando de novo um "exagero" da agenda ambiental. Todavia, como não dá mais para disfarçar os danos ao clima, é melhor essas empresas se mexerem rapidamente porque a demanda global por petróleo cairá entre 40% e 80% dentro de 27 anos por causa de todas as restrições impostas. Não adiantará nada apressarem-se para explorar tudo o que podem antes de as portas se fecharem definitivamente se no final as companhias falirem porque não se prepararam com antecedência. Um mundo distópico é, sim, possível, e talvez infelizmente até o mais provável. O que não dá para entender é como chegamos a esse ponto de irracionalidade coletiva persistente.

Qualquer grande capitalista interessado em ganhar dinheiro e proteger sua família deveria investir tudo o que pode na transição energética, especialmente na combinação de usinas eólicas e solares com o hidrogênio verde (H2V), um novo combustível que emite zero carbono e pode substituir os hidrocarbonetos em quase tudo. Sim, é caro. Mas toda nova tecnologia é cara no começo até ganhar escala. Isso não é justificativa para não investir em H2V, pelo contrário. Sairá muito mais caro um mundo sem o hidrogênio verde. E os trilhões que a indústria do petróleo movimenta a cada ano podem muito bem financiar os trilhões necessários para a transição energética, que já é uma questão de segurança nacional e global.

O capitalismo vive de renovação. O hidrogênio verde industrializa, reindustrializa e faz a roda da economia voltar a girar com mais crescimento e modernidade. Falar em carros a gasolina hoje é como falar de carroças 100 anos atrás. Falar de novos poços de petróleo hoje logo será também como falar em óleo de baleia no final do século 19. É preciso ter mais visão ou simples bom senso para salvar a humanidade e ganhar dinheiro. O Brasil é um dos principais candidatos a ser o campeão global dessa nova indústria. Ninguém terá melhor hidrogênio do que o norte-nordeste brasileiro, especialmente o Maranhão. Temos, portanto, um caminho a tomar. O que ainda estamos esperando?

 

MARCELO COUTINHO, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

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